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BR do Mar e o futuro da logística brasileira

em Artigos
quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Larry Carvalho (*)

A cabotagem brasileira – transporte entre portos do país – está entre os mais consistentes mercados de contêineres em crescimento no mundo.

Na última década temos visto um crescimento superior a 10% ao ano, chegando até a 25% em trimestres específicos. O mercado total já chega a quase 700 mil TEUs por ano. Um dos grandes turning points do mercado foi a greve dos caminhoneiros que paralisou o país e expôs nossa fragilidade logística e o quanto ainda dependemos de rodovias. Resultado direto foi que muitas empresas começaram a utilizar a cabotagem como alternativa ao transporte rodoviário.

A verdade é que muitas empresas se viram utilizando pela primeira vez a cabotagem, mudando sua forma tradicional de logística, e gostaram. Afinal a cabotagem é segura, eficiente, de baixo custo e impacto ambiental, sendo uma das modalidades de transporte mais lógicas para o Brasil, em decorrência das dimensões continentais que dispomos. São mais de 8,5 mil km de costa e 80% da população vivendo a 200 km do litoral. Sem contar que a maior parte da nossa indústria está concentrada perto do mar, fortalecendo nossa vocação para cabotagem.

Entretanto, o rápido crescimento da utilização da cabotagem resultou em uma pressão significativa sobre a capacidade existente de oferta de navios aptos a realizarem o serviço de cabotagem. O acervo regulatório da cabotagem hoje no Brasil é extremamente protecionista, exigindo que a embarcação arvore bandeira brasileira e que seja tripulada por navio brasileiro. Consequentemente, os players que atuam nesse setor, obrigatoriamente, tiveram que construir frota de navios em estaleiros brasileiros ou construir no exterior e nacionalizar a embarcação, arcando com elevados custos tributários.

Entretanto, desde 2014 com a operação Lava Jato, e o fechamento de diversos estaleiros pelo país, tornou-se um grande desafio construir embarcações de grande porte no Brasil. Dificultando o aumento da frota de cabotagem no país, e assim, prejudicando a matriz oferta de navios/demanda de frete. Nota-se que na última década, mesmo com todos os incentivos para construção em estaleiros brasileiros e o Fundo da Marinha Mercante, que permite o financiamento de construção com juros bem atrativos, os estaleiros brasileiros somente construíram quatro navios de cabotagem.

Doutro lado, atualmente, o acervo regulatório permite que empresas brasileiras de navegação afretem embarcações à casco nu (BBC) e registrem temporariamente embarcações estrangeiras sob a bandeira brasileira. Todavia, o limite é de 50% da tonelagem de porte bruto (DWT) de embarcações da própria empresa, adicionado ao dobro do DWT de embarcações em construção em um estaleiro brasileiro. Existindo, ainda, a possibilidade de afretamento por tempo, com certas restrições.

Assim, com as restrições atuais aliada à recente dificuldade em construção de novas embarcações em estaleiros nacionais, o mercado da cabotagem se vê desequilibrado na balança. De um lado temos uma crescente demanda, enquanto do outro lado, a oferta de navios não cresce no mesmo compasso. Economistas preveem que no segundo ou terceiro trimestres de 2021, devemos ter uma recuperação total da economia, pós-pandemia. Consequentemente, o crescimento da cabotagem deve retornar à casa dos dois dígitos.

E, assim, surge o grande desafio do projeto de lei intitulado Br do Mar: o de realizar o ajuste regulatório que permita o rápido aumento da frota de cabotagem, visando a equalização da oferta e demanda e a redução de custos do frete. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, afirma que este é o projeto mais ousado para a promoção da cabotagem na história do país, e seu esboço é realmente animador para toda a indústria e promete resultar em um crescimento da frota de cabotagem.

O Brasil está passando por um momento único, principalmente pensando em logística, com o desenvolvimento e melhoria da Infraestrutura do Arco Norte, a BR do Mar, a flexibilização de arrendamentos portuário, retomada no investimento ferroviário, privatização de portos, entre outras obras e reformas que ajudarão a aquecer a economia do país. Os ventos da mudança chegaram e toda a infraestrutura brasileira está passando por uma grande transformação que ajudará na internacionalização e maior ganho de competitividade da indústria nacional!

(*) – É advogado e árbitro com uma vasta experiência em litígios, com ênfase em transporte marítimo, e um extenso registro de assessoria a clubes P&I, armadores e afretadores.