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Abobrinhas

em Artigos
quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Uma amiga japonesa certa vez me contava que logo após a explosão das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, não se comia nada na região em que ela morava além de abobrinhas: de dia, de tarde e de noite.

Comparado com o país do Sol Nascente, o Brasil não passou por crises tão avassaladoras, embora não podemos fechar os olhos para a realidade dos 15,2 milhões brasileiros que sabem bem o que é viver e morrer lentamente abaixo da linha da extrema pobreza.

Talvez pela abundância de terras e alimentos, poucos brasileiros compreendam a necessidade de conter o desperdício em um país que detém metade de sua economia gerada diretamente de commodities como soja, café, cana-de-açúcar, petróleo e minérios, entre outras. Ou talvez porque boa parte não compreenda o valor de toda essa riqueza.

Seu Abed Al-Mahdi Salamin, de 76 anos, morador do Vale do Jordão, na Palestina, sabe bem o que significa ouvir a água fluindo pelo encanamento de uma companhia israelense bem debaixo das terras onde cresceu. “Os canos estão a 100 metros de mim, mas eu não posso beber”, lamenta.

Enquanto isso, nós, brasileiros, passeamos despreocupados sobre um lençol freático de 45 mil km³ de água doce que ocupa 65% de todo o território nacional: o Aquífero Guarani – a segunda maior fonte de água doce do planeta.

A floresta Kirindy, a oeste da ilha de Madagascar, perdeu em duas décadas quase metade (mil km²) do seu tamanho original para dar lugar ao plantio de milho. Os invasores pagam em torno de 10 dólares por hectare derrubado e queimado. Há bastante trabalho, porém, a mão de obra de baixo custo, não só na região como em todo o país, leva 90% da população a sobreviver com pouco mais de dois dólares por dia.

Espécies raras, encontradas somente nessa ilha africana, já correm risco de extinção. A devastação trouxe à área períodos de longa estiagem e intensas tempestades. Por aqui, até agosto deste ano, o número de focos de queimadas havia crescido mais de 80% em comparação com o mesmo período de 2018. Dos três trilhões de árvores no mundo, um terço se concentra na região amazônica.

Cerca de 20% de toda a fauna do planeta se encontra nessa imensa floresta. A revista científica Nature Sustainability aponta que a parte amazônica brasileira perdeu 400 mil km² entre 2000 e 2017. Olhemos para Madagascar. Somos um dos maiores produtores de minério de ferro do mundo, o rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, levou centenas de pessoas à morte e jogou a cidade à beira da depressão.

Passados oito meses da tragédia, a lembrança dos moradores por suas vítimas parece manter uma nuvem cinza sobre cada ponto da cidade. Compreender os erros do passado e a realidade presente pode impedir fatalidades. Nações como o Brasil não podem ignorar as mudanças climáticas e suas consequências: escassez de alimentos, desertificação, aumento de incêndios, enchentes e furacões.

O planeta está interligado por um único vetor: a consciência da função do homem como parte do processo de manutenção da vida ao longo de milhões de anos. Do ponto de vista espacial, a humanidade não passa de um grão de areia, porém, diante do tempo, ela é gigante, senhora do futuro em construção. No Japão, quem comeu abobrinhas no passado aprendeu a valorizar as conquistas do dia a dia até se potencializar.

No Brasil, o futuro depende do despertar da consciência de seu povo como agente de transformação tanto social quanto ambiental e de que abobrinhas fiquem só no prato, ausentes em discursos e ideologias.

(*) – É jornalista da TV Canção Nova e participou da reportagem especial do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG).