Walcir Soares Junior (*)
Compreender o fenômeno da inflação é compreender a relação entre a moeda, a oferta e a demanda em uma economia.
Em termos gerais, o dinheiro que existe na economia (lado monetário) tem seu valor lastreado no que realmente existe (lado real), e a inflação é um desajuste neste equilíbrio: para uma dada quantidade de produtos (oferta), se há muito dinheiro nesta economia e a procura é maior (demanda), os preços são aumentados para equilibrar oferta e demanda.
O Brasil conhece bem esse assunto. A década de 1980 experimentou o fenômeno da hiperinflação em patamares espantosos: mais de 20 trilhões percentuais de inflação acumulada em quinze anos. Uma hiperinflação que ultrapassou os limites teóricos das suas causas. Quando a inflação vem de um aumento inesperado na demanda, chamamos “inflação de demanda”, e quando ela vem de uma restrição ou aumento de preços no lado dos custos, chamamos de “inflação de oferta”.
No Brasil, além dessas duas causas, já lidamos também com a “inflação inercial” ou “de expectativas” que vinha da expectativa da sociedade de que a inflação iria subir no próximo período, uma inflação, digamos, psicológica. Somente a partir de 1994, depois de diversos planos equivocados, o Plano Real conseguiu dominar a inflação que, raramente ultrapassou dois dígitos depois disso.
Os tempos agora são outros, mas a memória do trauma permanece. Contabilizando os últimos doze meses, a inflação já bateu 9,68%. O real desvalorizado – a PTAX para 10 de setembro era de R$ 5,21 – gera alguns efeitos perniciosos e é um dos culpados por esse cenário. O preço das commodities, cotado em dólar, pressiona o preço interno de produtos como soja, açúcar, minério de ferro, carne e outros, e muitas commodities são utilizadas como importantes matérias-primas na produção de outros produtos.
Por outro lado, a moeda desvalorizada também estimula que esses produtos sejam canalizados para o mercado externo, já que o exportador receberá muito mais em reais, ocasionando redução da oferta e mais aumento de preços. Dentre esses preços, temos um potencialmente perigoso: o preço do petróleo. Essa commodity, quando não utilizada na produção, é utilizada na distribuição desses produtos, encarecendo o custo final.
O Brasil já sente esse efeito diretamente nos preços dos combustíveis, que já subiram, em média, mais de 30% só em 2021. Até mesmo motoristas de aplicativos estão desistindo de seus postos de trabalho porque os preços dos combustíveis têm tornado esse ofício inviável. Além do danoso efeito do câmbio, as perdas de safras causadas pelos desequilíbrios ambientais estão levando a mais aumentos nos preços dos alimentos.
Somadas a essas restrições, o Brasil ainda passa por uma grave crise hídrica que afetou o preço da energia elétrica, outro componente muito importante na esfera da produção e que contribui para o aumento dos preços finais. Esse aumento afeta diretamente o custo de vida, especialmente para os mais pobres que gastam uma fração muito maior da sua renda em alimentação, transporte e habitação.
Portanto, estamos enfrentando uma inflação de oferta e não de demanda. Como mostram os dados mais atualizados do IBGE, a taxa de desemprego está em 14,4% e o crescimento do PIB, negativo (-0,21% no segundo trimestre de 2021). Assim, a estratégia de alta das taxas de juros, praticada pelo Banco Central, tem contribuído apenas para o encarecimento da dívida e, ainda mais, uma restrição nos níveis de investimento extremamente baixos.
Mesmo que grande parte dessas adversidades sejam circunstanciais, o papel da política econômica deve ser mais assertivo: a inflação brasileira neste momento não é de demanda, é de oferta, e já temos evidências claras de que essa estratégia não está funcionando.
(*) – Doutor em Desenvolvimento, é professor de Economia na Universidade Positivo.