Viviane Limongi (*)
É certo que, de modo geral, as pessoas não possuam o costume de refletir a respeito da gestão do seu patrimônio.
Particularmente, profissionais e estudiosos da área do Direito Civil percebem que este não é um hábito que faz parte da vida dos brasileiros. Não, pelo menos, até agora. Alguns marcos da vida civil, importantes para a fixação de contornos patrimoniais, passam quase que despercebidos no dia a dia.
No casamento, é comum que as pessoas não reflitam, de modo aprofundado, sobre o regime de bens a ser adotado pelo casal, o que pode resultar, no futuro, em possíveis dúvidas e litígios. Já ante a hora da morte, a omissão quanto à destinação do patrimônio e questões existenciais é ainda maior.
No entanto, com a pandemia da Covid-19, sobreveio uma preocupação maior com a sucessão. Cartórios revelam que a procura por testamentos durante a crise sanitária cresceu 134%, segundo dados do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB-CF). Os números dizem respeito aos meses de abril a julho, e foi realizado um comparativo com o mesmo período do ano passado.
Ao todo, houve um aumento de 1.249 testamentos em abril para 2.918 em julho deste ano. O Colégio Notarial ainda aponta que a procura tem sido acentuada em relação a testamentos para idosos e profissionais de saúde, mais expostos na pandemia, mas também entre os jovens. Desde o final de maio, tem sido permitido que os testamentos sejam realizados de forma online, por meio da plataforma e-Notariado, o que facilitou o acesso a esse instrumento.
A despeito do momento difícil que seguimos enfrentando, é positivo e necessário que o planejamento sucessório e, mais do que isso, que a elaboração de testamentos passe a fazer parte da vida das pessoas. É preciso que todos tenham em mente que há instrumentos jurídicos disponíveis para que se delibere sobre o seu patrimônio tanto na sua vida, quanto após a sua morte.
Vale lembrar que os testamentos, por si só, também constituem instrumentos úteis para a deliberação de outras questões que não sejam patrimoniais. Conquanto o Direito Civil, sob o ponto de vista histórico, estivesse relacionado estritamente a questões patrimoniais – pois remonta ao período da Revolução Francesa que culminou com o Código Civil Napoleônico de 1804 -, seu movimento de “personalização” é perene e atual.
Nesse sentido, o testamento também funciona como um instrumento para disposição sobre questões existenciais da vida humana, tais como reconhecimento de paternidade; nomeação de tutor ou, ainda, disposições para proteção de um filho com deficiência. Essas questões existenciais podem e devem ser objeto de deliberação em testamento.
Caso contrário, questões íntimas e pessoais que poderiam ser deliberadas de forma autônoma pelo testador, em atenção às particularidades e necessidades de sua família, passam a ser resolvidas pelo Estado sem nenhuma influência da vontade de quem parte. Afinal, quem você quer que faça a gestão da sua vida: você ou o Estado?
(*) – É mestre e doutoranda em Direito Civil e sócia do escritório Limongi Sociedade de Advogados.