Augusto Nardes (*)
“O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê” – Platão
Em minha atuação como Presidente do TCU no biênio 2013-2014, nas diversas palestras que venho proferindo pelo país e em recente obra de minha autoria, intitulada “Governança Pública: O Desafio do Brasil”, tenho disseminado os conceitos de Governança Pública, a partir da crença de que o país poderia estar em patamares bem mais confortáveis nos aspectos sociais e econômicos, caso as políticas públicas fossem mais bem direcionadas, monitoradas e avaliadas.
Independentemente de questões de cunho ideológico, acredito que à medida que as nações dependem dos governos para alcançar o crescimento econômico e o bem estar social, maior a necessidade de termos uma boa governança pública. Quanto mais governo, maior a importância do controle social e das instituições impeditivas da “desgovernança”. Por esse motivo, em um país como o nosso, onde várias despesas públicas nascem de atribuições concedidas ao Estado pelo Constituição Pátria, é essencial que a sociedade debata o tema incansavelmente a fim de que as mudanças necessárias sejam implantadas dia a dia.
Em recente fiscalização que presidi no TCU, ao avaliar a governança de instituições públicas federais, estaduais e municipais, confirmamos a impressão geral sobre a baixa capacidade dos governos, de uma forma geral, de direcionar, avaliar e monitorar os esforços dos gestores públicos, em sua tarefa de executar políticas públicas aderentes às expectativas da população. Entre os mais de 7 mil órgãos pesquisados, apenas 16% estão em estágio aprimorado de governança. Grande parte, 48%, está no estágio inicial e a parcela restante no estágio intermediário. Há, portanto, um longo caminho a percorrer para que o conjunto de indivíduos que compõem a sociedade brasileira tenha seus interesses priorizados nessa relação com os agentes políticos e gestores públicos, em detrimento de interesses de grupos privados e partidários.
Particularmente nesse momento do país, temos convivido com muitas notícias ruins. No centro da severa crise política e econômica que abate o país, observávamos, apreensivos, a paralisia do Governo Federal e do Congresso Nacional. O governo do Presidente interino, Michel Temer, apesar da desconfiança generalizada com a classe política, felizmente dá mostras de maior articulação e mais poder de reação frente às demandas urgentes de reformas e de providências imediatas, configurando-se em um fio de esperança concreta para a sociedade como um todo.
Outro ponto positivo, em meio a tanta turbulência, é o fortalecimento de nossas instituições e a submissão dos governos diversos a parâmetros institucionais de governança estabelecidos na Constituição Federal e nas leis pátrias, entre as quais merece destaque absoluto a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), criada no Brasil com a nobre e difícil missão de implantar um novo regime fiscal, fundamentado nos conceitos de responsabilidade (equilíbrio fiscal e planejamento) e transparência. Para tanto, fixou normas rígidas que, se descumpridas, motivam punições fiscais e penais.
Os tribunais de contas do país e o TCU, no âmbito federal, se constituem em agentes da boa governança, ao monitorarem o cumprimento dos dispositivos previstos na LRF. Dessa atuação, que no TCU se dá de forma contínua, nascem elementos que são, a cada ano, considerados no julgamento das Contas do Presidente da República. Em 2015, ao identificar nas Contas da Presidente um conjunto de irregularidades, demos uma grande contribuição para obstar a “desgovernança fiscal” vigente, impedindo o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e dificultando a volta de situações comuns no passado como a utilização de bancos públicos pelos governos.
Essa semana, seguindo a tônica e a jurisprudência que inaugurei nas contas de 2014, o TCU aprovou proposta do Ministro José Múcio e concedeu um prazo de 30 dias para que a presidente afastada, Dilma Rousseff, apresentasse sua defesa quanto aos indícios de que teria reincidido, em 2015, na prática das chamadas “Pedaladas Fiscais” e na edição de decretos de abertura de créditos suplementares incompatíveis com o cumprimento da meta de resultado fiscal. Somadas a outros indícios identificados, as irregularidades podem ultrapassar a casa dos R$ 200 bilhões.
Com essa linha de atuação, exercendo com coragem e isenção suas atribuições, o TCU evidencia que os governos legitimamente eleitos nos pleitos eleitorais devem submeter-se, durante seus mandatos, para preservarem sua legitimidade, às regras e aos procedimentos que emanam da Constituição e das leis, assim como devem distinguir, principalmente nos momentos de crise, os limites entre a discricionariedade e a arbitrariedade, entre o permitido e o vedado, entre o interesse da sociedade e o interesse de grupos privados ou partidários.
Aproveitando a sabedoria de Platão, segundo a qual “o que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê”, ouso dizer que é a obediência a princípios como equilíbrio das contas públicas, planejamento, transparência, controle e prudência, insculpidos na LRF, que permite aos governos atrair os ventos da confiança, necessários para movimentar a embarcação do progresso.
(*) – Ministro e ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU).