Paulo André M. Pedrosa (*)
“O Brasil é o país dos devedores”. Certamente você, leitor, já ouviu esta frase e possivelmente até concorda com ela.
Quem já precisou acionar a justiça para receber um crédito sabe o quão tortuoso é o caminho entre uma sentença de procedência da ação e o efetivo recebimento dos valores a que se faz jus. No judiciário brasileiro “ganhar e não levar” é mais comum do que se imagina, fato que não só eleva o custo-Brasil como também desacredita a já tão desgastada imagem do Poder Judiciário.
As dificuldades enfrentadas para se receber valores na justiça tem vários motivos, boa parte deles relacionados com a “esperteza” dos devedores que escondem seu patrimônio em nome de terceiros, impossibilitando a justiça de acessar tais bens. Quando a devedora é uma empresa, é comum que os sócios “esvaziem” os bens da pessoa jurídica, transferindo tudo para o CPF dos sócios. Quando é feita busca de valores em conta corrente, aplicações, imóveis, veículos, absolutamente nada é encontrado no CNPJ da devedora.
O caminho inverso também é comum. Quando o devedor é o próprio sócio, na pessoa física, frequentemente o patrimônio é transferido e movimentado apenas em uma pessoa jurídica de titularidade do devedor, de modo que, ao se realizar penhora de bens em seu CPF, nenhum valor ou bem é localizado. Esta “blindagem” é possível pois a lei expressamente determina que, salvo algumas exceções, o patrimônio dos sócios não se confunde com o patrimônio das empresas. Ou seja, não é possível, a princípio, penhorar bens da empresa em razão de dívida do sócio e vice-versa.
Apesar desta regra, a própria lei traz uma importante solução, muitas vezes subestimada pelos credores. A desconsideração da personalidade jurídica (DPJ) e a desconsideração inversa da personalidade jurídica (DIPJ). A primeira, tem aplicação quando a devedora é a empresa (pessoa jurídica) e, na ação judicial, não são encontrados bens em seu nome, embora muitas vezes a empresa tenha atividade e visivelmente tenha faturamento. É comum nestes casos que os sócios ostentem grande patrimônio (vindo da empresa), porém está nada possua cadastrado em seu CNPJ.
Já a segunda tem espaço quando o devedor, pessoa física, “blinda” seu patrimônio em uma pessoa jurídica, muitas vezes através de estruturas complexas de holdings e off shores. É comum nesses casos que o devedor coloque em nome da empresa ou grupo de empresas todos os seus veículos, imóveis, aplicações e dinheiro, movimentando os recursos, por exemplo, através de um cartão corporativo, não deixando nada em seu CPF.
Em ambas as situações, a lei determina ser possível desmontar esta “blindagem”, por meio do instituto da desconsideração. Para tanto, o credor deve comprovar no processo a existência de alguns requisitos, quais sejam o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade (uso da empresa para cometer ilegalidades ou fraudes) ou confusão patrimonial entre sócio e empresa (como ocorre quando o sócio usa a empresa para ocultar seu patrimônio pessoal e vice-versa)
Se a dívida for em razão de uma relação de consumo, relação trabalhista, ou matéria ambiental, a desconsideração da personalidade jurídica é ainda mais simples: basta comprovar que a empresa não tem patrimônio para arcar com suas obrigações para então atingir os bens dos sócios e vice-versa.
Não é difícil concluir que a desconsideração da personalidade jurídica e a desconsideração inversa da personalidade jurídica, são poderosos instrumentos à disposição do credor na luta contra a blindagem patrimonial e contra as fraudes perpetradas pelos devedores para não pagarem suas dívidas, devendo seu uso ser difundido e ampliado, reduzindo-se, desta forma, a sensação de que o Brasil é um paraíso para quem não arca com suas obrigações financeiras.
(* ) – É advogado sócio do escritório Battaglia & Pedrosa, especialista em Processo Civil pela PUC/SP e LL.M. Master of Laws em Direito Societário pelo INSPER/SP.