Reinaldo Dias (*)
As maiores atrocidades ocorridas na história da humanidade ocorreram fomentadas pelo discurso do ódio.
Em um passado recente, na segunda guerra mundial, o regime nazista alemão promoveu o extermínio de 6 milhões de judeus e outros grupos considerados inferiores ou que foram perseguidos por motivos políticos, ideológicos ou comportamentais. Esse massacre está fartamente documentado e surpreende o seu recrudescimento no mundo atual.
A emergência de grupos supremacistas brancos, xenófobos, racistas e neonazistas que utilizam o discurso e a apologia do ódio aos diferentes, quer sejam negros, hispânicos, homossexuais, imigrantes entre outros mostra que essa ideologia de extrema direita tem encontrado espaço para se manifestar e está se tornando cada vez mais agressiva. É ilustrativo o recente acontecimento em Charlottesville, no Estado da Virginia, onde um enfrentamento por fanatismo, racismo e uso da violência deixou mortos e feridos.
O fato sinaliza para o mundo o perigo representado pelo discurso do ódio e a necessidade de as democracias enfrentarem com firmeza esse tipo de manifestação. É uma semente que não pode germinar. Os Estados Unidos não são um caso isolado. Podemos encontrar, hoje, o surgimento de grupos de extrema direita na Europa e outras partes do mundo. No Brasil, esses grupos estão saindo do limbo a que foram relegados durante um tempo e já se sentem à vontade para manifestar-se nas redes sociais e nas ruas defendendo ostensivamente posições racistas, homofóbicas e xenófobas.
Na busca de culpados pelo desemprego, esses grupos apontam para o outro, o recém-chegado imigrante que foge da miséria, da fome, da guerra ou da perseguição política. Em diversas partes do pais tem ocorrido situações em que imigrantes são agredidos e hostilizados. Esse discurso simplista encontra seguidores em todos os cantos. São pessoas que ignoram que estão sendo levadas a apoiar propostas que contrariam décadas de esforços na construção dos direitos humanos no mundo. É o discurso da violência, do culto a intolerância, da demonização do imigrante e do diferente.
O acontecimento em Charlottesville não pode ser visto como um fato isolado, mas analisado dentro de um contexto, que é semelhante no mundo todo, de intensificação da violência pela intolerância contra o outro sob alegações diversas e com violações de direitos humanos.
No Brasil o discurso do ódio incentiva a agressão às mulheres, aos nordestinos, aos mendigos, aos grupos LGBT, aos negros, aos deficientes e aos imigrantes. Depois de muito tempo esses grupos de ódio têm agora até um candidato à Presidência da República que compactua com sua ideologia, utilizando a democracia para manifestar sua repulsa à diferença, agride as minorias, incentiva a violência contra os estrangeiros e se arroga o direito de manifestar essa ideologia abertamente nas redes sociais.
Os governos, nos mais diversos níveis de articulação – municipal, estadual ou federal – devem incentivar ações voltadas para o estabelecimento de políticas públicas que privilegiem o diálogo, a convivência, fortalecimento de valores e princípios identificados com a tolerância, a busca da equidade, da liberdade e o respeito à dignidade humana.
O saldo positivo da emergência desses grupos de ódio é que agora podemos identifica-los à luz do dia, e enfrenta-los diretamente com argumentos e fatos para evitar que vicejem e maculem as conquistas que até agora alcançamos como sociedade democrática, baseada em instituições sólidas que se consolidaram apesar dos percalços que a nossa estrutura política-administrativa tem passado, originados da incompetência, má gestão e corrupção.
Os grupos de ódio emergem devido a situação de anomia que vive o país, com altas taxas de desemprego, levando milhões de pessoas ao desespero e sem vislumbrar melhorias num futuro imediato. Nessa população, os incautos e desinformados são presa fácil do discurso simplista dos que pregam a intolerância, assimilando com facilidade suas palavras de ordem e engrossando as fileiras dessa corrente política-ideológica que tenta se impor cultuando a violência.
Nesse contexto, cabe aos democratas não caírem em provocações que resultem em violência. O instrumento daqueles que defendem a paz e a democracia é a argumentação. Vale a pena citar, mais uma vez, como Obama o fez recentemente, a frase de Nelson Mandela que indica o remédio contra o ódio:
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, seu passado ou sua religião… As pessoas precisam aprender a odiar, e se elas podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar… Porque o amor chega mais naturalmente no coração humano do que seu oposto”.
(*) – É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, campus Campinas. Doutor em Ciências Sociais e Mestre em Ciência Política pela Unicamp.