Marcos da Costa (*)
O Brasil está comemorando os 40 anos da ‘Carta aos Brasileiros’, lida nas arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco por um dos mais renomados juristas do país, o mestre dos mestres, o nosso saudoso Goffredo da Silva Telles Júnior.
Do alto do seu saber, traçou ele os rumos da Nação, destacando urgentes premências nas frentes da Ordem e do Direito, da Segurança e do Desenvolvimento Econômico, sob a égide da fonte legítima primária, a comunidade nacional, o povo. Em quatro décadas, a Nação deu passos importantes no campo dos direitos, consolidando o escopo da cidadania fixado na Constituição de 88. A organicidade social se apresenta mais forte e arrumada do que há décadas.
Grupos alijados historicamente de seus direitos, como minorias étnicas, sociais, sexuais e culturais, foram contemplados com políticas públicas que lhes deram força para ascender ao patamar da igualdade. Pessoas idosas, com deficiências, minorias étnicas, de gênero, povos indígenas, crianças e adolescentes, e as mulheres conquistaram direitos pelos quais lutavam há décadas.
Mas o País não avançou no campo das práticas de gestão pública e dos costumes políticos. Persistem a incúria, o desleixo, o nepotismo, a ineficiência, a má qualidade dos serviços públicos, o compadrismo, a compra de votos, a mentira, o conluio entre os negócios privados e os negócios do Estado. O patrimônio público continua sendo assaltado por levas de políticos que transformam a missão de representar o povo em profissão.
Os galhos podres da árvore patrimonialista se estendem pelos vãos das três instâncias federativas (União, Estados e Municípios). A mistura do público e do privado se expande ampliando as teias de corrupção. Políticos e partidos, com seus grupos de interesses, se infiltram nas entranhas da administração pública, sugando as riquezas da Nação. Escândalos de toda a ordem deixam ver um poder invisível agindo à sombra do Estado. Denúncias graves de dilapidação de patrimônio tornam-se cotidianas.
O presidencialismo, dito de coalizão, funciona à base do “poder da caneta”, com sua capacidade de nomear pessoas, demitir, liberar recursos para os membros da representação política. O corpo parlamentar se apresenta como um ente sem vértebras, abandonando a cartilha doutrinária, curvando-se às pressões e ao jogo de conveniências. Partidos políticos rasgam a carta ideológica que lhes deram identidade.
E, assim, a Tríade do Poder, arquitetada pelo barão de Montesquieu, exibe suas profundas rachaduras, manchando os valores a ela inerentes – a independência, o equilíbrio, a harmonia. Urge, pois, refundar a República. Reerguê-la. Resgatar seus valores. Urge reconstruir as vigas mestres que a sustentam.
A sociedade clama por novas práticas, novos caminhos para formação de partidos políticos e composição de coligações, modos mais justos e democráticos de financiar campanhas eleitorais. O tempo corre. Temos até princípio de outubro para aprovação de uma base mínima de reforma política. A sociedade está saturada de viver sob uma crise crônica que consome as energias da Nação. O momento sugere mudanças profundas na feição político-institucional.
O Estado carece de avanços no campo da gestão. A meritocracia se impõe como medida essencial para a moralização dos processos. Basta à ocupação de cargos por indicação política. Partidos que alcançam o poder central têm direito aos trâmites da governabilidade, sem direito de se apropriar da res publica. Áreas técnicas devem ser ocupadas por técnicos.
O eleitor deseja participar de modo mais intenso do processo decisório. Para tanto, temos de propiciar mecanismos que deem impulso à democracia direta. Mais ação e menos discurso. Mais avanços e menos promessas. Decisão. Inovação de quadros políticos. Melhoria da qualidade dos serviços públicos.
O Brasil espera de seus protagonistas na frente político-institucional vontade de construir uma grande Nação.
(*) – É presidente da OAB-SP.