A maioria conhece Machado de Assis dos livros que os professores nos obrigavam a ler na adolescência cujo término para nós era um alívio
Bastava obter uma boa nota, dando algumas explicações sobre a obra, em um tempo onde não havia a internet, e tudo estava resolvido na cabecinha daqueles jovens alunos de minha época, salvo raras exceções. Acreditávamos que nunca mais precisaríamos ler textos tão demorados. O tempo passa, a pessoas amadurecem e relendo agora os mesmos contos machadianos se percebe o quanto esse autor era sagaz, criativo, inteligente.
Daí se entende porque alguns dizem Machado de Assis é redescoberto a cada nova leitura e por isso é considerado um dos maiores e melhores autores em língua portuguesa já surgidos. Entre as obras mais recomendadas estão ‘O Alienista’, sempre recomendado pelos professores de minha época, um livro curto e criativo, onde assim os mestres buscavam não cansar os jovens estudantes ao mesmo tempo em que os informava sobre a existência deste grande autor. Trata-se da estória do médico Simão Bacamarte que retorna à sua terra-natal, Itaguaí, onde se dedica de forma quase exclusiva à profissão e descobre a psiquiatria em um tempo onde o médico real, Sigmund Freud, ainda realizava sua pesquisa sobre a psicanálise.
Isto revela, no nosso entender, um Machado antenado nos acontecimentos de sua época. Já em ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ (1881), o narrador resolve contar sua vida depois de morto, expondo de forma irônica os privilégios da elite do Brasil Império que em quase nada se diferencia do país de hoje. Isto sem contar a saga de ‘Dom Casmurro’ (1899) onde se confirma o olhar certeiro e crítico que o autor estendia sobre toda a sociedade em que ele vivia ao abordar a temática do ciúme, colocando a polêmica personalidade de sua personagem, Capitu, em discussão mesmo nos dias atuais. Enfim, mesmo quem já leu Machado de Assis deve reler e uma das oportunidades é essa, em que se comemoram os 178 anos de seu nascimento até porque, no ano que vem, o escritor será muito citado em conversas na mídia, em conferências e nas mesas dos botequins pois estaremos lembrando os 110 anos de seu passamento.
Joaquim Maria Machado de Assis é de origem humilde, nasceu em 21 de junho de 1839 no Morro do Livramento – Rio de Janeiro – neto de escravos alforriados. Se quase dois séculos depois pessoas negras ainda têm menos acesso à educação, na primeira metade do século XIX a situação era bem pior. Sua instrução veio por conta própria, do interesse que ele tinha em todos os tipos de leitura. Autodidata nos estudos, aprendeu português praticamente sozinho sendo posteriormente auxiliado por professores admirados pelo seu esforço. Depois aprendeu francês quando trabalhou em uma padaria e, posteriormente, enquanto tipógrafo teve contato com poesias, romances e outros tipos de literatura. Aos 16 anos já participava de um grupo de escritores e, na mesma época, publicou seu primeiro poema: Um Anjo.
Depois dessa poesia, a quantidade de material produzido foi impressionante; nove romances, 200 contos, mais de 600 crônicas, diversas peças teatrais, cinco coletâneas de poemas e sonetos. Sem contar que trabalhou como tipógrafo, revisor, funcionário público e colaborou para revistas e jornais do Rio de Janeiro. Assistiu ao fim do Império e o surgimento da República e isso não passa despercebido em sua obra, sentindo-se os reflexos dessa mudança política tanto em seu trabalho de escritor como de jornalista.
Em 12 de novembro de 1869 casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais. Esse casamento ocorreu contra a vontade da família da moça, uma vez que Machado tinha mais problemas do que fama, já que os país dela não aceitavam o fato de Carolina querer se casar com um epilético. Mesmo assim a união durou cerca de 35 anos e o casal não teve filhos. Carolina contribuiu para o amadurecimento intelectual do esposo, revelando-lhe os clássicos portugueses e vários autores de língua inglesa.
Assim que completou 40 anos, suas crises de epilepsia pioraram e ele quase perdeu a visão. Mas foi nesse período que seus escritos ganharam ainda mais força. Entendidos em literatura dizem que Machado foi fundamental para a transição do romantismo para o realismo no país, tendo sido ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’ o marco inaugural. Nele um narrador-defunto diz: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”. Tamanha força de expressão chamou a atenção dos intelectuais da época e acabou por influenciar outros grandes autores como Olavo Bilac, Lima Barreto, Carlos Drummond de Andrade, entre outros.
Os biógrafos afirmam que no Brasil, Machado de Assis alcançou em vida fama e prestígio, a ponto de ter sido aclamado primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, a 20 de julho de 1897. Fizeram parte do sodalício os seguintes fundadores: Araripe Júnior, Artur Azevedo, Graça Aranha, Guimarães Passos, Inglês de Sousa, Joaquim Nabuco, José Veríssimo, Lúcio de Mendonça, Machado de Assis, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Pedro Rabelo, Rodrigo Otávio, Silva Ramos, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay. Também Coelho Neto, Filinto de Almeida, José do Patrocínio, Luís Murat e Valentim Magalhães, que haviam comparecido às sessões anteriores.
Ainda Afonso Celso Júnior, Alberto de Oliveira, Alcindo Guanabara, Carlos de Laet, Garcia Redondo, conselheiro Pereira da Silva, Rui Barbosa, Sílvio Romero e Urbano Duarte, que aceitaram a honra e tornaram-se membros. Os últimos dez membros foram eleitos. Eram eles: Aluísio Azevedo, Barão de Loreto, Clóvis Beviláqua, Domício da Gama, Eduardo Prado, Luís Guimarães Júnior, Magalhães de Azeredo,Oliveira Lima, Raimundo Correia e Salvador de Mendonça. Atualmente, a ABL mantém o mesmo formato com 40 membros efetivos e perpétuos, eleitos sempre em votação secreta e 20 sócios correspondentes estrangeiros. Na data de fundação da Academia Brasileira de Letras, Machado de Assis, proferiu um breve discurso inaugural transcrito desta maneira:
“Senhores, investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É símbolo da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança. Não é preciso definir esta instituição, iniciada por um moço, aceita e completada por moços, a Academia nasce com a alma nova, naturalmente ambiciosa. O vosso desejo é conservar, no meio da federação política, a unidade literária. Tal obra exige, não só a compreensão pública, mas ainda e principalmente a vossa constância.
A Academia Francesa pela qual esta se modelou, sobrevive aos acontecimentos de toda casta, às escolas literárias e às transformações civis. A vossa há de querer ter as mesmas feições de estabilidade e progresso. Já o batismo das suas cadeiras com os nomes preclaros e saudosos da ficção, da lírica, da crítica e da eloquência nacionais é indício de que a tradição é o seu primeiro voto. Cabe-vos fazer com que ele perdure. Passai aos vossos sucessores o pensamento e a vontade iniciais, para que eles o transmitam aos seus, e a vossa obra seja contada entre as sólidas e brilhantes páginas da nossa vida brasileira. Está aberta a sessão”.
Durante o período em que presidiu a ABL, Joaquim Maria Machado de Assis comparecia às reuniões, mas evitava aparições públicas devido à epilepsia que se agravava a cada dia, doença que acabou por minar o seu corpo e retirá-lo desta vida, a 29 de setembro de 1908. Sua obra seguiu sendo cultuada ao longo dos anos estando reconhecido mundialmente. Os últimos apontamentos postados por editores na internet, dão conta que Machado de Assis e terceiro autor brasileiro mais lido em todo mundo, ficando atrás somente de Paulo Coelho e Jorge Amado, por questões midiáticas. Em Portugal, Machado de Assis é tido pelos intelectuais, como o principal escritor brasileiro em todas as épocas.
(*) Geraldo Nunes, jornalista e memorialista, integra a Academia Paulista de História. ([email protected]).