Efeitos da seca acentuam de maneira permanente perda florestal na Amazônia
As consequências desestabilizadoras da seca na Amazônia são analisadas em estudo internacional liderado por Delphine Clara Zemp, da Universidade Humboldt (Alemanha), com a participação do professor Henrique Barbosa, do Instituto de Física (IF) da USP.
Júlio Bernardes/Jornal da USP
A pesquisa, relatada em artigo publicado na revista Nature Communications, utilizou padrões de vento, chuva e evaporação para simular as diferentes situações de equilíbrio entre vegetação, evaporação e precipitação na Amazônia. Dessa forma, os cientistas calcularam o efeito da redução das chuvas em uma área sobre a possível destruição da floresta em outra região, e se um evento deste tipo teria um efeito permanente sobre o sistema como um todo, levando a uma perda autoamplificada de floresta.
A imagem que se tem da Amazônia é de uma floresta exuberante onde chove muito, mas, além das chuvas intensas, a transpiração das árvores é tão grande que um volume considerável desta água volta para a atmosfera e alimenta as chuvas em outras regiões. Quando este ciclo de realimentação positivo é interrompido, por exemplo, com a redução da precipitação durante uma seca, a redução na evapotranspiração (evaporação do solo somada à transpiração das plantas) é significativa e conduz a menos chuva.
Efeitos autoamplificados como este podem levar a um “efeito dominó”, causando seca e morte em outras áreas da floresta. Os pesquisadores descobriram que os mecanismos responsáveis por esse tipo de perda parecem ocorrer durante eventos extremos de seca. “Como estes eventos estão se tornando mais frequentes com as mudanças climáticas, isto significa uma pressão maior sobre a floresta”, diz o professor.
Durante o último Máximo Glacial, há 21 mil anos, o declínio da umidade oceânica causou uma redução de 50% na precipitação da estação seca da Amazônia. Para validar o modelo utilizado no estudo, os cientistas simularam o clima da Amazônia neste período e conseguiram reproduzir estes registros paleoclimáticos. Em tais condições de estação seca, de 10% a 13% da destruição florestal na bacia amazônica pode ser atribuída à perda de floresta autoamplificada. Com um afluxo de umidade oceânica reduzida de 40%, como apontam as projeções para o século 21, de 1% a 7% (potencialmente até 14%) da perda da floresta amazônica poderia ser atribuída a efeitos autoamplificadores, decorrentes da atividade humana.
Savanização
“Na floresta amazônica, o ciclo das árvores é diferente, por exemplo, das florestas boreais da Europa, Canadá e Estados Unidos”, aponta Barbosa. “Elas crescem e morrem muito mais rápido. Numa situação em que a floresta está sob grande estresse climático, essas árvores podem não ser substituídas por árvores do mesmo porte”, relata. “O que acontece é uma transição de uma vegetação que era mais exuberante, com árvores grandes e muita folhagem, por outra com árvores mais rasteiras, mais afastadas, com gramíneas entre elas, algo mais parecido com o cerrado brasileiro. Esse processo é chamado de savanização”.
Esse processo ocorre porque as plantas possuem uma resistência ao estresse hídrico, determinada pela disponibilidade de água no solo e a quantidade dessa água que consegue ser drenada por suas raízes, dentre outros fatores. “Quanto mais prolongadas forem as secas, mais as plantas vão sofrer estresse, morrerão, e maior será a probabilidade de que estas árvores que sejam substituídas por outras de porte menor e mais adaptadas às secas. Isso faz com que o cerrado avance sobre a Amazônia”, ressalta o professor do IF. “O modelo desenvolvido na pesquisa permitiu, justamente, calcular esta probabilidade de transição”.
Outro efeito danoso é acontecerem mais queimadas. “As simulações mostram que a redução das chuvas acontece em toda a Amazônia. Uma estação seca mais prolongada vai aumentar o número de focos de queimadas e a pressão de mudanças na floresta”, diz Barbosa. “As queimadas também aumentam a quantidade de carbono na atmosfera e acentuam o efeito estufa, além de representarem um grande problema de saúde pública, quase que completamente ignorado no Brasil”.
Redes complexas
O estudo aplicou uma técnica de sistemas dinâmicos chamada de redes complexas. “Esta metodologia já é empregada, por exemplo, para estudar como os neurônios se comunicam no cérebro; ou como o mercado financeiro responde a crises; ou mesmo como são as relações de amizade no Facebook”, explica o professor. “Na pesquisa, os links da rede complexa eram dados pelo transporte de umidade, e os nós da rede, pelo balanço entre a precipitação e a evapotranspiração. Foram elaboradas equações matemáticas para representar a interação biosfera-atmosfera e estudar os efeitos das secas na savanização.”
Segundo Barbosa, quando a vegetação é homogênea, ela responde de maneira igual às modificações climáticas. “Se a precipitação diminui e a temperatura sobe, pode começar a ocorrer uma mudança de vegetação, mais precisamente, aumenta a probabilidade de transição. Toda a floresta vai responder dessa forma, se ela é homogênea”, explica. “Um dos resultados importantes do estudo foi mostrar que, se por outro lado houver grande heterogeneidade, ou seja, se pedaços da floresta forem diferentes aqui e ali, essa floresta vai ser mais resiliente às mudanças e o efeitos auto-amplificados não se propagam pela rede tão eficiente quanto no caso homogêneo.”
Como muitos sistemas adaptativos complexos, as árvores da floresta amazônica fazem parte de uma rede maior. Os pesquisadores descobriram que a perda florestal ocorre de forma não linear. Isso significa que os deslocamentos florestais em uma parte da Amazônia podem desencadear mudanças em outras áreas, que podem ser difíceis de prever. “Além disso, este mecanismo de autoamplificação também se aplica aos efeitos do desmatamento e queimadas, ou seja, suas consequências são ainda maiores do que o previsto anteriormente e deveriam ser evitados a todo custo”, conclui o professor.