Temer terá de superar desafios políticos para conter crise, dizem especialistas
Em mensagem no fim de 2016, o presidente Michel Temer disse que 2017 será o ano em que o Brasil derrotará a crise. Ele afirmou que o desafio de seu governo será a recuperação dos empregos perdidos e o crescimento “sustentável e responsável” da economia
Temer terá de vencer desafios políticos para conseguir implantar as reformas desejadas e conter a crise econômica. |
Além disso, Temer antecipou que pretende focar esforços na promoção de uma reforma tributária, com o objetivo de tornar a legislação mais simples. A reforma política e a aprovação da reforma trabalhista, que foi enviada pelo governo ao Congresso, também estão no horizonte do presidente neste ano, bem como os desafios de desburocratizar o Estado, melhorar a qualidade da administração pública, baixar os juros e estimular a volta dos investimentos no país.
Para especialistas consultados pela ABr, o presidente Michel Temer terá de vencer desafios políticos para conseguir implantar as reformas desejadas e conter a crise econômica. Entre essas dificuldades, estão os impactos das investigações da Lava Jato no cenário político e o processo que tramita no TSE sobre as contas da campanha eleitoral da chapa Dilma-Temer.
LAVA JATO
Em fevereiro, após o fim do recesso da Corte, o STF deverá homologar ou não as delações premiadas de 77 executivos da empreiteira Odebrecht, que citaram o envolvimento de políticos de vários partidos. São mais de 800 depoimentos que estão em análise pelo relator, ministro Teori Zavascki. No início de dezembro, vieram à tona uma série de informações sobre o depoimento prestado pelo ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, à força tarefa da Operação Lava Jato.
De acordo com reportagens, o executivo disse que entregou dinheiro vivo em 2014 ao advogado José Yunes, amigo e então assessor de Temer. Melo também citou nomes importantes do governo como o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, o ex-ministro do Planejamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), e o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, também do PMDB. Todos negam irregularidades e Yunes pediu demissão do cargo.
Para o cientista político e pesquisador Antônio Flávio Testa, da UnB, um dos desafios que o presidente poderá ter de lidar é se as investigações apontarem o envolvimento de ministros da equipe. “O Temer já perdeu um aliado forte, que é o Geddel, e tem mais dois com a faca no pescoço: Eliseu Padilha e Moreira Franco. Isso para ele é uma situação muito difícil”, disse Testa. De acordo com o cientista político da FGV-SP, Cláudio Couto, as investigações podem também atingir aliados no Congresso. “Nenhum parlamentar pode atirar pedras porque as investigações podem atingir muitos deles. É o que chamo de Síndrome de Demóstenes Torres, que foi um senador que atacava a todos até descobrirem que ele estava envolvido”.
TSE
Outro desafio será se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitar as contas da chapa Dilma-Temer, eleita em 2014. Nos primeiros meses do ano, o relator do processo que pede a cassação da chapa, ministro Herman Benjamin, deve concluir o voto após analisar as perícias contábeis e os depoimentos das testemunhas. “Claro que tem [a questão da] interpretação do jogo político, que pode adiar ou adiantar o processo no TSE. Na minha avaliação, pode adiantar se Temer não conseguir retomar a atividade econômica e se a Lava Jato continuar pegando personagens à sua volta. Isso pode acelerar o julgamento. E pode adiar se houver sinais de recuperação da economia, se seus aliados conseguirem se defender”, diz o cientista político Antônio Testa.
“É difícil fazer previsões em um cenário como o atual, em especial por conta dos riscos que um aprofundamento da Lava Jato pode ter para o governo Temer e por conta do julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer, o que pode, inclusive, resultar na cassação do atual presidente”, disse o professor do Instituto de Ciência Política da UnB, Paulo César Nascimento.
PREVIDÊNCIA
Paulo avalia que 2017 será um ano de “remédios amargos, de crescimento muito baixo e de reformas dolorosas”. “Não tem outro jeito: o Brasil terá de passar por isso para, em 2018, respaldado pelas eleições e com o apoio do Congresso, algo melhorar”, acrescentou. Um dos primeiros desafios de Temer é o de aprovar a Reforma da Previdência. Com uma base forte no Congresso. A reforma precisa ser aprovada em duas votações nos plenários de cada Casa.
Alguns pontos da proposta já causaram divergências – como a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria; 25 anos como tempo mínimo de contribuição; e a expectativa de que sejam necessários 49 anos de contribuição para se atingir a aposentadoria integral – e devem dificultar o caminho para a aprovação do texto. A proposta foi criticada por entidades sindicais de trabalhadores, entre elas a Força Sindical, que tem como liderança o deputado Paulinho da Força (SD-SP), aliado do governo. Para Antônio Flávio Testa, a reforma sofrerá resistência dos trabalhadores e Temer precisará usar toda a bagagem e habilidade política para driblá-la. Na avaliação do cientista político, o presidente deve pedir o apoio da população.
O cientista político Cláudio Couto também afirma que a aprovação das reformas propostas será díficil. “Não será um ano fácil para o governo porque a agenda apresentada é muito pesada em termos de reforma. Temer disse que quer ser um presidente reformista, mas a gente sabe que fazer reforma não é coisa simples até porque costuma despertar resistências”, disse o cientista político da FGV, destacando a habilidade política do presidente e de vários de seus auxiliares.
REFORMA DO ENSINO MÉDIO
Para Testa, outros projetos que tramitam no Congresso não devem encontrar tantos problemas para serem aprovados, como, segundo ele, a medida provisória da reforma do ensino médio, que já passou pela Câmara e precisa agora ser analisada pelos senadores. As mudanças motivaram ocupações de centenas de escolas pelo país por estudantes, que criticaram a forma como a proposta foi enviada aos parlamentares. Diante das críticas, o presidente da República chegou a dizer que o importante foi estimular o debate sobre o assunto, e não faz questão de que o texto aprovado seja o da MP, desde que as mudanças sejam aprovadas.
PSDB
Já com relação ao PSDB, principal partido aliado de Temer, Testa, acredita que a legenda fará o “máximo esforço para ocupar mais espaços estratégicos no governo”. “A tendência é eles ficarem com Temer, como já falaram, até viabilizarem um tucano como candidato à Presidência da República. Mas vão empurrar isso até o momento em que o governo Temer, na visão deles, ficar inviável”. Para Cláudio Couto, o governo Temer e o PSDB têm afinidades e é interessante aos tucanos que o governo faça agora reformas impopulares, antes da próxima eleição presidencial quando o PSDB deve apresentar candidato ao cargo.
Na avaliação de Couto, apesar de pesquisas apontarem baixa popularidade de Temer, o que poderia colocar em risco o apoio do PSDB é se ocorrerem mobilizações e manifestações públicas contrárias ao atual governo. “Não gostar do governo é uma coisa. [Desgostar dele, a ponto de] motivar a população a se mobilizar contra ele é outra. O governo Temer, até o momento, não parece correr esse risco” (ABr).