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O endividamento dos brasileiros e a falta de educação financeira

em Artigos
segunda-feira, 18 de abril de 2016

Ana Raquel Mechlin Prado (*)

O Brasil ocupa somente a 74ª posição em educação financeira, entre 144 países.

De acordo com pesquisa realizada pelo SPC Brasil, em conjunto com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), no mês de março de 2016, 700 mil brasileiros entraram no negativado, isto é, foram inseridos como inaptos à aquisição de financiamentos no cadastro de proteção ao crédito. No total, são 58,7 milhões de pessoas (39,64% da população) que estão na condição de inadimplentes.

Ainda, conforme a pesquisa, a região Nordeste teve a maior alta anual de inadimplência pelo oitavo mês consecutivo, com um aumento de 8,09% de pessoas inadimplentes entre fevereiro de 2015 e março de 2016, o que alcançou um total de 15,7 milhões de negativados. As demais regiões do país, embora com números absolutos menores, também têm de 30% a 50% da população com dívidas em atraso.

A região Sudeste, entretanto, não entrou no estudo, uma vez que a Lei Estadual 16.569/2015 do Estado de São Paulo, que exige que os devedores sejam, previamente, notificados sobre suas dívidas e assinem o recebimento do aviso pelo Correio, dificulta a inclusão deles no cadastro de inadimplentes.

Em média, os inadimplentes devem R$ 3.422,29. As dívidas usuais são desde as faturas de cartão de crédito; empréstimos; cartão de redes e lojas de varejo; cheque especial; telefone fixo e celular, até as contas mais básicas, como de energia e de luz, itens estes que, geralmente, são os primeiros a serem pagos pelas famílias.

Os motivos mais apontados para esse aumento no número de devedores são: perda de emprego; queda na renda real; empréstimo do nome para consumo de terceiros e compras feitas sem controle. Desse modo, os principais fatores estão intimamente relacionados à recessão econômica que reflete num número maior de desocupados, que já alcançou 9,6 milhões neste ano (IBGE, 2016), à corrosão do poder aquisitivo, decorrente da pressão inflacionária, e aos juros mais altos no mercado.

É notório que esses fatores são determinantes para o quadro de inadimplência do país, mas dois aspectos importantes contribuem para tal: o descontrole financeiro e o desconhecimento do brasileiro a respeito de sua própria dívida. Conforme estudos do SPC Brasil (2016), a maioria dos brasileiros não tem sobra de recursos ao final do mês, e seis, a cada dez pessoas, não sabem, exatamente, o montante devido, e 36%, para quais empresas devem. Apesar da renegociação da dívida, uma porcentagem significativa continua devendo parcelas (32,6%), enquanto 67,4% pagaram ou ainda estão pagando suas dívidas.

A ampliação da oferta monetária via expansão do crédito às famílias, a partir da primeira década dos anos 2000, propiciou um “mundo desconhecido” ao brasileiro, com maior acesso a recursos e ao consumo. A demanda reprimida das décadas anteriores, aliada à ausência de educação financeira e de “hábito” de planejamento da população, entretanto, fez com que esse boom do crédito não fosse encarado com parcimônia.

Para se ter uma ideia, uma pesquisa da S&P Ratings Services Global Financial Literacy Survey, realizada em 2014, aponta que o Brasil ocupa somente a 74ª posição em educação financeira, entre 144 países, índice inferior, inclusive, a países mais pobres e desiguais, como Madagascar e Zimbábue.

Reconhece-se que a educação financeira é de extrema importância para a construção de uma cultura que privilegie a melhor gestão do orçamento e que se deve começar desde a infância. Como esta cultura ainda não está disseminada no país, é preciso que o brasileiro aprenda a colocar no “papel” suas despesas e suas prioridades, a fim de amenizar e/ou solucionar seus problemas financeiros.

Mesmo que a nossa sociedade esteja, historicamente, acostumada a um orçamento apertado e venha cortando gastos com bens de consumo e serviços menos básicos, a saída da inadimplência torna-se difícil, sem a devida compreensão das dívidas e o controle dos gastos, sobretudo, em períodos de escassez de oferta de crédito e de economia em recessão.

(*) – Possui graduação e mestrado em Economia e tem estudos com ênfase em Economia Industrial e Economia Contemporânea. É professora do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, na Universidade Presbiteriana Mackenzie (campus de Campinas).