Projetos miram caixa-preta das tarifas de ônibus
Garantir o acesso da população às planilhas que servem de base para a definição do preço das passagens e dos reajustes é o objetivo de propostas em análise no Congresso
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Ag. Senado/Especial Cidadania
Os brasileiros pagam cerca de R$ 18 bilhões em passagens de transporte coletivo por ano sem saber se os valores são justos. A maioria das cidades não divulga as planilhas que embasam o cálculo das tarifas e, nos municípios onde elas estão disponíveis ao público, as informações são insuficientes, adverte o doutor em desenvolvimento urbano Lafaiete Neves, de Curitiba.
O especialista afirma que as planilhas geralmente tomam como base estudos feitos na década de 1980 pela extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot). Esse modelo, na avaliação de Neves, está desatualizado pela evolução tecnológica.
— Os motores que equipavam os ônibus na década de 1980 eram de primeira geração. Hoje são de quarta geração. Uma das consequ- ências é que o consumo de combustível ficou menor — avalia.
O segundo problema apontado por ele é a ausência de controle do consumo de combustível, como o existente na aviação civil. O combustível é um dos custos variáveis usados nas planilhas (veja quadro abaixo). Na maioria das empresas, não há fiscalização, diz.
— As empresas ganham em cima da defasagem do modelo e da falta de controle das autoridades, em prejuízo dos usuários — acrescenta.
Transparência
Para enfrentar o problema, o Senado trabalha em algumas propostas. Na primeira delas, incluiu mecanismos de transparência no projeto que visa reduzir as tarifas com a desoneração da atividade econômica (PLC 310/2009).
O texto institui o Regime Especial de Incentivos para o Transporte Coletivo Urbano de Passageiros (Reitup). Uma das condições para a concessionária beneficiar-se do Reitup é submeter-se a esses critérios de transparência.
Um deles é a contratação de auditoria externa em cidades com mais de 500 mil habitantes para auxiliar elaboração de laudo de cálculo da tarifa. Outra exigência é a aplicação da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) às empresas de transporte, em razão da existência de contrato de concessão com o poder público.
Como a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou substitutivo do relator, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o projeto retornou à Câmara dos Deputados, que ainda não votou as alterações feitas no Senado.
Outro projeto torna obrigatória a divulgação das planilhas que embasam reajustes e revisões de tarifas. O PLC 50/2013, do deputado Ivan Valente (PSOL-SP), já foi aprovado por três comissões do Senado e está pronto para votação em Plenário.
Relator do texto na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), o senador Randolfe Rodrigues (RedeAP) considera a proposta essencial para abrir a caixa- -preta das tarifas de transporte coletivo. Para ele, não se sabe como é feita a política de reajuste desses preços.
Randolfe classifica de insuficiente a determinação por transparência na estrutura tarifária prevista na Lei 12.587/2012, que criou a Política Nacional de Mobilidade Urbana. De acordo com ele, a lei não é cumprida e, por isso, torna-se necessária uma determinação mais específica. Para o senador, a obrigatoriedade da divulgação poderá levar inclusive a uma revisão do modelo do Geipot, já que “a realidade de hoje é diferente dos anos 1980”.
Presidente da Comissão de Transparência e Governança (CTG) do Senado, Paulo Bauer (PSDB-SC) diz que o sigilo nas planilhas é incompatível com “um serviço concedido pelo poder público para o público”. Favorável ao PLC 50/2013, o senador defende um trabalho de conscientização dos prefeitos para que tornem as planilhas acessíveis ao público. Quanto à defasagem do modelo do Geipot, sugere a atualização e anuncia a intenção de fazer audiência pública para discutir o tema.
Distorções penalizam os usuários de renda mais baixa, aponta estudo
O modelo de financiamento do transporte público urbano (TPU) baseado na receita tarifária, adotado pela maioria das cidades brasileiras, apresenta distorções, apontadas em nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de julho de 2013.
Uma delas, conforme o documento, está relacionada à perda de demanda pagante no sistema devido ao aumento do custo da passagem. A nota técnica acrescenta: “Quando esse fato ocorre, e na última dé- cada no Brasil verificou-se esse movimento em função do avanço do transporte individual, o nível da tarifa torna-se cada vez mais alto para compensar a diminuição do número de tarifas pagas, o que induz novas perdas de demanda, retroalimentando o círculo vicioso que se forma em função da dependência das camadas mais carentes da população em relação ao TPU e sua baixa capacidade de pagamento”.
Outra distorção apontada é o subsídio cruzado entre passageiros, quando os pagantes são diretamente sobretaxados ao custear as gratuidades. Conforme a nota, essa situação é mais grave quando os pagantes de menor renda — a maioria dos usuários do transporte público — “arcam com gratuidades concedidas a pessoas pertencentes aos estratos de renda mais altos (estudantes e idosos de alta renda, por exemplo)”.
Segundo o estudo, o usuário que paga integralmente a tarifa destina um percentual desse valor para cobrir os usuários que não pagam ou têm desconto. A Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos calcula em 20% o impacto médio das gratuidades nas capitais.
Fórmula dos anos 80 divide custo pelo número de pagantes
O modelo criado pela extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot) nos anos 1980 e ainda hoje adotado pela maioria dos municípios brasileiros considera a tarifa como o rateio do custo total do serviço entre os usuários pagantes.
Para o cálculo, é necessário conhecer os seguintes elementos: número de passageiros transportados, quilometragem percorrida e custo quilométrico, que corresponde à soma de custos variáveis com custos fixos.
Os custos variáveis, que mudam em função da quilometragem percorrida pela frota, são os combustíveis, os lubrificantes, rodagem, peças e acessórios.
Os custos fixos, que independem da quilometragem percorrida, são o custo de capital (depreciação e remuneração), despesas com pessoal e despesas administrativas.
O custo total do serviço corresponde ao custo quilométrico acrescido da taxa de gerenciamento e tributos (como PIS, Cofins, ISS e ICMS).