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O perdão da pena para as mulheres esquecidas

em Opinião
segunda-feira, 07 de março de 2016

Júlia Lenzi Silva (*) e Taylisi de Souza Corrêa Leite (**)

Em 2014, pela primeira vez, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) divulgou dados acerca da situação prisional brasileira com recorte de gênero, o que significa que, pela primeira vez, o Brasil pode conhecer a realidade – ao menos, a estatística – das cerca de 37.000 mulheres encarceradas.

O relatório oficial aponta o crescimento assombroso do aprisionamento feminino: em 15 anos, a população penitenciária feminina cresceu 567%, enquanto a taxa de crescimento da masculina ficou em 220%, menos da metade. As mulheres representam 8% das mais de 600.000 pessoas em situação de privação de liberdade em nosso país.

Parece pouco, mas esse índice é superior à média mundial e coloca o Brasil em 5º lugar dentre os países com maiores taxas de encarceramento feminino, portanto, são muitas mulheres e é grande o silêncio cúmplice sobre elas.

Ainda com aporte nos dados do Depen, é possível traçar um perfil dessas mulheres esquecidas: 58% das mulheres estão presas por tráfico de drogas, um crime sem violência direta (diferentemente do ocorre com alguns crimes patrimoniais, por exemplo), tendo sido condenadas a penas relativamente baixas – até 4 anos (19%) e entre 4 e 8 anos (35%). Entretanto, a despeito do que dispõe o art. 33, §2º do CP, a regra é seu cumprimento em regime fechado (45%). 68% dessas mulheres são negras e 80% são mães.

Ademais, dados da América Latina apontam que as mulheres presas, em geral, eram trabalhadoras da economia informal (sem carteira assinada), em postos de trabalho precarizados (sem garantia de direitos trabalhistas e previdenciários). A despeito dessa condição de absoluta insegurança econômico-financeira, essas mulheres são, em sua maioria, chefes de família e responsáveis pelo sustento dos filhos, por isso, quando encarceradas, além de serem abandonas por seus companheiros, são forçosamente afastadas deles, que passam a ser criados pelos avós, quando não encaminhados para adoção.

Diante desse quadro, torna-se imperioso refletir acerca das políticas criminais adotadas pelo Brasil em relação à população prisional feminina. Um dos caminhos para se repensar essa realidade passa pela discussão acerca da concessão do indulto, um instituto jurídico-penal que assegura o perdão da pena, com sua consequente extinção, tendo em vista o cumprimento de alguns requisitos, com base no art. 84, XII, d da CF.

Outra possibilidade seria a aplicação do regime domiciliar, autorizado pela própria Lei de Execuções Penais (Lei 7210/84), em seu artigo 117, III, para mulheres que têm filhos menores. O impedimento concreto para sua aplicação, porém, é a dificuldade de progressão de regime prisional das encarceradas por tráfico de drogas, considerado um crime equiparado aos hediondos.

Nesse sentido, o crescimento vertiginoso do encarceramento feminino no Brasil também pode ser explicado pela baixíssima taxa de beneficiamento das apenadas: como o tráfico também não foi alcançado pelos mais recentes indultos natalinos, é irrisório o número de mulheres por ele beneficiadas. penas para se ter uma ideia, em São Paulo, em 2014, apenas 65 mulheres foram contempladas com o indulto, número irrisório quando comparado com os 2.335 homens beneficiados, e esse número é ainda menor nos anos anteriores.

Agora, neste 8 de março de 2016, o que as mais de 37.000 mulheres aprisionadas e esquecidas nos presídios brasileiros esperam e tem direito é que superemos o ranço punitivista de uma sociedade alimentada diariamente com medo e ousemos apoiar o perdão suas penas, reconhecendo a falência da política de “guerra às drogas”, que apenas tem produzido a sistemática violação dos direitos humanos das pessoas em maior situação de vulnerabilidade social.

Por elas, por seus filhos e por nós, para que seja possível acreditar em nossa humanidade e em sua capacidade de (re)inventar mundos de vida.

(*) – É, mestre em direito pela Unesp e professora de direitos humanos na FESL-SP;
(**) – É doutoranda em direito pelo Mackenzie e professora de direito penal na FESL-SP.