219 views 11 mins

Políticas públicas também tratam a saúde como mercadoria

em Especial
segunda-feira, 07 de dezembro de 2015
imagem temproario

Políticas públicas também tratam a saúde como mercadoria

Os problemas enfrentados pela população com o SUS vão além daqueles rotineiramente apontados, como sendo o resultado da combinação entre a precariedade do financiamento com os desmandos administrativos

 imagem temproario

Predominância da ideia de saúde como mercadoria reduz direito à saúde.

Gabriela Vilas Boas/Agência USP de Notícias

Após ampla avaliação do SUS, com coleta de dados e entrevistas com secretários e conselheiros municipais de saúde e usuários, distribuídos em nove municípios da Macrorregião do Triângulo Sul do Estado de Minas Gerais, o enfermeiro Edward Meirelles de Oliveira, autor do estudo, é enfático em afirmar que o principal interesse das políticas públicas de saúde no Brasil é o lucro, ou seja, a saúde como mercadoria ou negócio. E que os gestores nos diversos níveis e a própria população não entendem a saúde como direito humano à vida. “Os problemas do SUS se originam da contradição e tensão entre a percepção de saúde como direito universal e de sua exploração como mercadoria, presentes na sociedade atual”, resume.

Segundo o pesquisador, a predominância da ideia de saúde como mercadoria reduz o direito à saúde, principalmente para as famílias de baixa renda, pois o interesse não está na saúde da população e sim no lucro. “Quem já precisou recorrer a algum serviço privado de saúde, provavelmente se assustou com o valor a ser desembolsado e sabe o quanto caro é a saúde enquanto mercadoria”, diz o enfermeiro. A transformação da saúde brasileira em mercadoria faz com que qualquer bem de consumo, por exemplo, produtos alimentícios, medicamentos, produtos de beleza, aparecerem como propiciadores de saúde.

“A reificação da saúde ocorre pela ‘compreensão’ de que uma ‘coisa’ concreta, seja ela qual for, se adquirida no mercado, é como se estivéssemos adquirindo saúde, sem necessidade de uma alimentação saudável, atividade física diária, boas noites de sono, estudo”, conta o pesquisador. ”Isso faz com que as pessoas deixem de reconhecer o direito à saúde como processo sócio-histórico, reconhecendo-o apenas como um elemento de negócio”.

image large temproarioPara Oliveira, este fato causa uma profunda modificação de valores que, na prática, enfraquecem o conceito de direito à saúde e de defesa do SUS, como único sistema que pode garantir a saúde de todos. “A saúde como mercadoria é um direito de consumidor, tem quem pode pagar, o interesse é individual. Já a saúde reconhecida como premissa existencial humana é direito de todos, o interesse é coletivo e somente nesta percepção as pessoas se mobilizarão contra a desestruturação do SUS”, afirma.

Focar os sujeitos como interesse fundamental das políticas públicas, fará com que aumente a participação social nos processos relacionados a saúde e, consequentemente, diminua a influência do complexo médico-empresarial na elaboração e produção das práticas de saúde. “É preciso pensar em ações de fortalecimento do poder popular, o que implica a incorporação dos espaços de lutas já existentes e a construção de outros espaços coletivos, em um cenário onde os sujeitos possam construir a própria identidade a partir de suas necessidades e desejos coletivos”, afirma.

Segundo Oliveira, existem outras pesquisas com este tema e todos convergem para um único ponto. “Não se pode perder de vista o fato sócio-histórico primordial de que vivemos em uma sociedade capitalista, produtora de mercadorias, consumo e desigualdade social, e que precisa ser superada”.

 

Bruxismo afeta atividade elétrica dos músculos da mastigação

Resultados de pesquisa realizada na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP) da USP mostram que o bruxismo do sono (movimentos repetitivos da mandíbula durante o sono, com ranger e apertar dos dentes) causa diminuição da atividade elétrica dos músculos mastigatórios

Rita Stella/Agência USP de Notícias

O estudo revelou que a espessura dos músculos da mastigação e da força da mordida não se alteraram e também confirmou piores condições na qualidade de vida desse público que sofre com o sono ruim, aumento do número de vezes que desperta e cansaço muscular provocado pelo ranger e apertar dos dentes devido à movimentação desses músculos, durante o sono.
No caso dos portadores de bruxismo do sono, a resposta diminuída desses sinais elétricos pode ser de proteção do próprio organismo para que não ocorra fadiga muscular ou também pode ser que a fadiga já esteja instalada. Mas, o pesquisador responsável pelo estudo, Marcelo Palinkas, adianta que “são apenas hipóteses”, pois não avaliaram o processo de fadiga muscular nesta pesquisa.
Impacto positivo
“O impacto do estudo foi “extremamente positivo”, avaliou Palinkas, pois “demonstrou a lacuna existente na literatura médica e odontológica quanto à análise desses músculos relacionados ao tema bruxismo”. Além de oferecer informações para estudos científicos nessa área, a pesquisa mostrou a importância de atuação multiprofissional, de dentistas e médicos, para oferecer à população ferramentas e diagnósticos mais precisos do distúrbio do sono.
Para o especialista, com diagnóstico preciso, “os prognósticos serão mais favoráveis e o tratamento mais adequado, podendo proporcionar melhor qualidade de vida aos portadores do bruxismo do sono”.
Como demonstrou que os portadores de bruxismo do sono sofrem alterações funcionais dos músculos da mastigação, Palinkas defende o uso da polissonografia, que é considerado exame “padrão ouro internacional”, para que o diagnóstico seja mais preciso, pois “analisa toda a arquitetura do sono”, isso, apesar de ser um exame caro. No Brasil, continua ele, muitos cirurgiões dentistas realizam apenas o diagnóstico do bruxismo pelo exame clínico.
Uso da tecnologia para diagnósticos mais precisos
Para o estudo, foram analisadas 90 pessoas de 18 a 45 anos de idade. Todas foram submetidos a polissonografia (exame usado para investigar vários distúrbios do sono), confirmando ou descartando o bruxismo do sono. Com os dois grupos de pessoas —aqueles que apresentavam o bruxismo e os que não —, Palinkas passou todos por análises em equipamentos eletrônicos de última geração para verificar atividade elétrica e espessura muscular, força da mordida e análise da qualidade de vida de cada um.
A baixa atividade elétrica foi detectada nos portadores de bruxismo do sono durante avaliação clínica, em exame eletromiográfico — com aparelho que oferece informação de quanto e como um músculo é ativado. Conta Palinkas que, por meio desse exame, consegue-se ainda “determinar como se estabelece a coordenação de diferentes músculos envolvidos no movimento corporal, sinalizando ou não alterações funcionais”.
Esses resultados são parte da tese de doutorado Impacto do bruxismo do sono na musculatura do sistema estomatognático: avaliação eletromiográfica, força de mordida, função mastigatória, ultrassonográfica e qualidade de vida, que Marcelo Palinkas apresentou à FORP em fevereiro deste ano, com orientação da professora Simone Cecílio Hallak Regalo.
O estudo foi feito no laboratório de eletromiografia “Prof. Dr. Mathias Vitti” na FORP, com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) Contou com a colaboração de Graziela de Luca Canto, Laíse Angélica Rodrigues, César Bataglion, Selma Siéssere, Marisa Semprini e Simone Cecilio Hallak. Foi publicado com o título Comparative Capabilities of Clinical Assessment, Diagnostic Criteria, and Polysomnography in Detecting Sleep Bruxism na revista Journal of Clinical Sleep Medicine em julho.
Distúrbio inconsciente
O bruxismo do sono “é considerado, quando patológico, muito grave”, alerta o pesquisador, já que influencia a qualidade de vida do ser humano, podendo provocar o “desequilíbrio funcional dos músculos da mastigação”.
Manifesta-se por movimentos repetitivos da boca (mandíbula), “decorrentes da atividade rítmica do músculo masseter, associado aos microdespertares durante o sono e ranger e/ou apertar dos dentes”.
É observado em todas as faixas etárias, sendo mais frequente dos 15 aos 40 anos. Atinge cerca de 80% a 95% da população mundial em alguma fase da vida. Aproximadamente 30 milhões de brasileiros desenvolvem o bruxismo do sono.