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Realidade de times femininos vai de atletas sem chuteiras a clubes bem equipados

em Especial
quarta-feira, 09 de setembro de 2015
São Paulo é o estado com o maior número de times na competição. Serão seis na disputa pelo título.

Realidade de times femininos vai de atletas sem chuteiras a clubes bem equipados

Vinte times de futebol feminino, de 14 estados, iniciaram a disputa pelo título de campeão brasileiro no dia 7 de setembro

 São Paulo é o estado com o maior número de times na competição. Serão seis na disputa pelo título.

São Paulo é o estado com o maior número de times na competição. Serão seis na disputa pelo título.

Durante dois meses, as equipes vão participar do campeonato que ocorre anualmente desde 2013 e é organizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Pela primeira vez, os jogos poderão ser assistidos em TV aberta. A transmissão pela TV Brasil começou ontem (9) com a partida entre Santos e Pinheirense. Entre os times, condições bem diferentes de preparação.

No Maranhão, o Esporte Clube Viana tem dificuldades para conseguir campo para treinar e as jogadoras não têm chuteiras. Já o Kindermann, de Santa Catarina, tem estrutura própria, como campo e alojamento, que garante a preparação das jogadoras. Nos dois casos, os times são os únicos a representar seus estados na competição.

A atacante do Viana, Alessandra Moreira, 20 anos, terminou o ensino médio no ano passado e conta com o apoio da mãe para continuar a jogar. “A gente tem que se virar, porque aqui ninguém ajuda. Eu penso em investir na carreira, mas se depender de São Luís, vai ser difícil”, relatou a jogadora criticando a falta de incentivo do Poder Público e de interesse de patrocinadores.

A jovem batalha por um convite para jogar em times mais estruturados do Sul e do Sudeste e sonha com uma convocação para a Seleção Feminina Permanente. Os planos encontram obstáculos, entretanto, na falta de itens básicos para os treinos. “Às vezes, tem campo, mas não tem chuteira. Tem que pedir emprestado. É difícil imaginar, mas não é impossível, não é?”, declarou. A menos de duas semanas do campeonato, essa era a situação do time maranhense que completou duas décadas este ano.

Viturino Santos, presidente do clube, conta que tem dificuldades para conseguir recursos para viabilizar o treino do time. Para o aluguel do campo de futebol, ele precisava de R$ 150 (para duas horas). Para custeio da passagem das jogadoras, mais R$ 120, a cada treino. “A gente faz das tripas coração para fazer o futebol feminino. É uma dificuldade danada. A gente tira do bolso mesmo para poder fazer”, lamentou. Diante das dificuldades, não há uma regularidade nos treinos. “A gente treina um dia e passa quatro sem”, relatou.

Persistência de jogadoras contribuiu para crescimento do futebol feminino. As jogadoras também não recebem ajuda de custo ou salário. “Fico muito triste com isso. Tem umas que trabalham e outras não, porque estudam. As meninas mais novas, que têm entre 16 e 18 anos, moram com os pais ainda. Os treinos são à noite justamente por isso”, explicou.

Viturino conta que o Viana, que é originário do município de mesmo nome, a 230 km de São Luís, precisou mudar sua sede para a capital para viabilizar a participação das jogadoras. “Estamos em São Luís mesmo, porque as meninas são daqui. Em 2011, tivemos apoio [da prefeitura de Viana] e contratamos até jogadoras de outros estados”, lembrou.

A capitã e zagueira do São José Esporte Clube, Daiane Rodrigues, ou Bagé, como foi batizada por causa da cidade em que nasceu no Rio Grande do Sul, conhece bem as dificuldades de mulheres que decidem apostar no futebol. “Minha história é de muita luta. Meu tio emprestava a chuteira. Eu calçava 36 e ele, 38. Tinha que pôr dois meiões e duas palmilhas. Estou contando minha história, mas a grande maioria das meninas passam [por isso]. Meus professores faziam vaquinha para eu poder viajar”, disse.

Desde o início da carreira, Bagé treina em times paulistas e conseguiu se manter como profissional do futebol, mas fez questão de concluir a graduação em Educação Física. Aos 32 anos, com vitórias pela seleção brasileira e com carreira reconhecida no futebol feminino, ela lamenta que a falta de apoio ainda seja uma realidade para muitas jogadoras. “Vários estados não têm estrutura para o esporte. Muitas meninas estão fazendo porque amam o que fazem. Olhar para a companheira do lado e ver que ela não tem condições corta o coração dentro do campo, mesmo ela sendo sua adversária”, disse.

No São José, Bagé recebe uma ajuda de custo, que é paga com apoio da prefeitura de São José dos Campos. O clube permite o uso do escudo, mas não oferece infraestrutura à equipe feminina. O time da cidade mantém apenas a masculina. A condição é diferente para as jogadoras do Kindermann, de Santa Catarina. O clube tem a própria estrutura de treino, as atletas recebem ajuda de custo (entre R$ 500 e R$ 3,8 mil), contam com alojamentos com clínica de fisioterapia, além de receber bolsa integral de estudos em razão da parceria com a Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (Uniarp).

O clube, que existe há 40 anos no município catarinense de Caçador, deixou de lado o futebol masculino e, desde 2004, aposta apenas na modalidade feminina. De acordo com o presidente Salézio Kindermann, a decisão de investir nas mulheres veio depois da divisão dos times em série, o que diminuiu o tamanho dos campeonatos locais. O Kindermann é um dos favoritos do Brasileirão deste ano. O time feminino de futebol de campo, que existe desde 2008, é heptacampeão catarinense, atual vice-campeão brasileiro e campeão da Copa do Brasil. Da equipe, duas jogadoras foram convidadas para a seleção: Andressinha e Gabi Zanotti.

Durante dois meses, vinte times de futebol feminino, de 14 estados, vão participar do campeonato brasileiro.Salézio Kindermann explica que o time não tem muitos patrocinadores e que ele mesmo investe, anualmente, de R$ 150 mil a R$ 180 mil. “Considero que seja um trabalho social. É como a gente pode contribuir para o esporte. É uma paixão que a gente tem”, declarou o presidente, dono de um hotel na cidade com o mesmo nome do time.

Os megaeventos esportivos no Brasil, a retomada do Campeonato Brasileiro Feminino, os investimentos do governo federal e a formação da Seleção Feminina Permanente são fatores que contribuíram para a situação de maior visibilidade do futebol de mulheres hoje. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista na temática mulher e esporte, Silvana Goellner acrescenta um fator à lista: a persistência e a dedicação das atletas.

“Podemos atribuir [essas conquistas] também à persistência dessas mulheres que, com um cenário tão adverso, continuaram investindo no futebol. Apesar de entender o futebol de mulheres como ocupação, e não como profissão, pois muitas delas precisam ter outras formas de subsistência”, destacou a pesquisadora. Ela lembrou da jogadora Bagé (Daiane Rodrigues) que hoje está no time paulista São José e que, além do futebol, mantém uma pastelaria com uma colega ex-jogadora do time, Priscila Rossetti (Priscilinha). “Faço essa atividade na parte da noite, porque durante o dia é o futebol”, explicou Bagé, que vai disputar o Campeonato Brasileiro Feminino pelo clube.

Silvana diz que o futebol masculino no Brasil é uma exceção a todos os esportes e discorda de comparações entre a modalidade feminina e a masculina. “[O futebol masculino no Brasil] não pode ser comparado nem ao feminino nem a outra modalidade esportiva, seja em termos de investimento, visibilidade, condições de infraestrutura ou calendário de campeonato”, afirmou.

Os times que disputam o Campeonato Brasileiro Feminino estão divididos em quatro grupos com cinco equipes cada, que se enfrentam na primeira fase da competição. Os dois melhores de cada grupo seguem para as etapas seguintes: segunda fase (oito clubes distribuídos em dois grupos), semifinal (quatro clubes distribuídos em dois grupos) e final (um grupo de dois clubes). Uma novidade nesta edição é que, na segunda fase da competição, os times poderão contar com o reforço de jogadoras da seleção permanente. Os critérios do sistema de seleção, conhecido como draft, ainda serão divulgados.

São Paulo é o estado com o maior número de times na competição. Serão seis na disputa pelo título: Adeco, Ferroviária, Portuguesa, Rio Preto, Santos e São José. Em seguida, está o Rio de Janeiro com dois clubes: Duque de Caxias e Flamengo. Os demais estados participantes têm apenas um clube: Iranduba (AM), São Francisco (BA), Caucaia (CE), Viana (MA), Mixto (MT), América (MG), Pinheirense (PA), Botafogo (PB), Foz Cataratas (PR), Vitória (PE), Tiradentes (PI) e Kindermann (SC) (ABr).