Santos Dumont, o Pai da Aviação, sim, senhor!
Na última segunda-feira (20), completaram-se 142 anos do nascimento do polêmico inventor mineiro Alberto Santos Dumont, que voou no 14-Bis e em dirigíveis, inventou o relógio de pulso e ficou deprimido ao ver aviões usados como máquinas de guerra
Santos Dumont inventou também o relógio de pulso e o chuveiro elétrico. |
Freddy Charlson/Blog da Aviação
Santos Dumont era polêmico. Ponto.
Bem-nascido, em 1873, ele inventou o avião (embora os norte-americanos e boa parte do planeta diga que não), passou a maior parte do tempo fora do Brasil (em escolas na França e na Suíça ou passeando por um mundão que já era de Deus, mas não era tão, digamos, globalizado) e, no final da vida, ficou tristinho (ok, stop brincadeira, depressão é coisa séria!) porque sua invenção (sim, o avião, afinal aqui é Brasil, caramba!) acabou sendo utilizada como uma mortal arma de guerra (alguém aí falou Hiroshima? alguém aí falou Nagasaki?).
Sim, Santos Dumont era polêmico.
Mas ele teve lá os seus motivos. Isso desde o tempo em que nasceu numa fazenda no interior das Minas Gerais e quando sua família mudou-se para outra fazenda, em Ribeirão Preto. Em vez de trabalhar na horta ou com os animais, Dumontinho era polêmico: preferia mexer com as máquinas. Ah, que precoce esse menino batizado como Alberto Santos Dumont, filho de pai de ascendência francesa (Monsieur Henrique) e mãe filha de tradicional família portuguesa (Dona Francisca, com certeza!). Esperto, o pai viu que o rapaz era craque em mecânica, física, química e eletricidade e emancipou o jovem. “Vá. Dumont, vá ser gauche na vida.” Eis que, aos 18 anos, o jovem sonhador atravessou o Oceano Atlântico para concluir os estudos na França e, enfim, poder voar, voar, subir, subir, ir para onde for (momento Biafra)…
Um ano depois, papai Dumont morreria. Abalado emocionalmente, claro, o pequeno Dumont, sempre fã do escritor francês Júlio Verne (autor de livros como 20 Mil Léguas Submarinas e A Volta Ao Mundo em 80 Dias, entre outros), herdou uma fortuna. Resolveu ficar em terras parisienses, comprou um carro e passou a disputar corridas velocíssimas – bem, pelo menos para a época. Aos 24 anos, em 1898, subiu num balão. Alugado. Ok, o jovem ainda não era poderoso. Um ano depois, foi às alturas com o próprio balão, o “Brasil”, criado por Dumont.
Pronto, a partir daí, o mineirinho voou. De verdade. Passou a pilotar balões, construir dirigíveis – e dar números a eles, tipo 1, 2, 3 e daí por diante –, a dar a volta na Torre Eiffel voando, a disputar prêmios polêmicos de voos (sem propulsão, de distância, de travessia do Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra…), a vencer prêmios polêmicos, afinal, na época, era difícil definir o que era avião, o que poderia ser mais pesado do que o ar, o que era voo… A fazer de tudo um pouco. O dirigível número 11, por exemplo, foi um bimotor com asas e o número 12 parecia um helicóptero.
O tempo passa, o tempo voa (perdão pelo trocadilho, mas a propaganda com esse jingle é quase tão antiga quanto a época tratada por este texto!) e Santos Dumont estava cada vez mais fera na arte de voar. Entre 19 e 23 de julho de 1906, testou, em Paris, o bom e velho 14-Bis. O avião de formato estranho, que parecia ser feito de cartolina, era conhecido como “Oiseau de Proie” (ave de rapina, na língua de Catherine Deneuve). Ele foi o primeiro objeto mais pesado que o ar a erguer voo por impulsos próprios, superando o atrito do ar, as leis básicas da física, a gravidade e, principalmente, a fé alheia. E quem diz isso não sou eu (Bra-sil-sil-sil!), mas a Federação Internacional de Aviação (FIA).
Ah, o porquê do nome? Simples, o 14-Bis era tipo uma mistura de aeroplano com o balão 14 (lembra que Santos Dumont curtia numerar as “paradas”?), usado pelo inventor em outros voos. Daí, o “bis”, sacaram? Então, foi com ele que, em 13 de setembro de 1906, o 14-Bis, sem balão, com mais potência e chamado de Oiseau de Proie, voou 8 metros. E isso num momento da história da humanidade em que era difícil definir o que seria um “voo de avião”, lembrem-se. A polêmica ganhava o mundo. De cientistas a inventores, de aventureiros ao povo… difícil acreditar que algo mais pesado do que o ar pudesse… voar.
Dumont queria mais. E, assim, em 23 de outubro de 1906, no campo de Bagatelle, em Paris, o Oiseau de Proie II voou utilizando seus próprios meios, sem a ajuda de catapultas e afins. Voou 60m em sete segundos, a meros 2m, 3m de altura, um feito incrível para a época. E com mais de mil pessoas como testemunhas. Ah, a Comissão Oficial do Aeroclube da França homologou o feito. Sim, o Oiseau de Proie, o nosso 14-Bis, era “mais pesado que o ar”. Ricão e gente fina, Santos Dumont distribuiu o dinheiro do prêmio para seus operários e os pobres de Paris. Sim, era um costume do inventor.
O brasileiro virou herói, foi homenageado na Europa, nos Estados Unidos e, of course!, no Brasil. Aqui, claro, a euforia tomou conta. Ao mesmo tempo, o povo imitão e oportunista foi mexendo nos projetos de Santos Dumont e aperfeiçoando as ideias. É que ele não patenteava suas invenções. Uma desleixo polêmico. De qualquer forma, em 1909, Dumont recebeu o primeiro brevê de aviador, fornecido pelo Aeroclube da França. O documento é tipo a CNH de piloto. Nesse mesmo ano, em 18 de setembro, o brasileiro voou pela última vez. Estava cansado, doente, com os primeiros sinais de esclerose múltipla. No ano seguinte, fechou sua oficina e isolou-se do mundo.
Sua situação ficou ainda mais crítica em agosto de 1914, quando começou a Primeira Guerra Mundial, com a invasão da França (logo a França, né, Dumont?) pela Alemanha. Os aviões, já mais rápidos e bem modernos, foram utilizados para observar tropas inimigas, travar combates aéreos e despejar bombas mundo afora. Santos Dumont ficou, então, deprimido, ao ver a invenção utilizada para destruir vidas humanas. Seu sonho se transformava em pesadelo. Polêmico, até ofereceu dez mil francos (sim, o euro não era nem sonho à época) para o autor da melhor obra contra o uso de aviões na guerra. Não se sabe se alguém escreveu. Não se sabe se Dumont chegou a pagar a quantia.
Em 1915, voltou ao Brasil, ruim quesó da saúde. Deprimido, mudou-se para Petrópolis. Ali, ergueu um espaço para suas invenções, tipo um chuveiro de água quente (pense no sucesso!) e um motor portátil para esquiadores. Morou sete anos na serra fluminense e, em 1922, deu um rolé pelo mundo, num esquema tipo despedida. Passou por Rio de Janeiro, São Paulo, Fazenda Cabangu (MG) e Paris, mon cherie. Até que, incomodado, em janeiro de 1926, apelou à Liga das Nações (a mãe da ONU) para impedir o uso de aviões como armas de guerra. Não deu certo e ele internou-se no sanatório Valmont-sur-Territet, na Suíça.
Dois anos depois, seria recebido com festa no Rio de Janeiro. Como tudo estava dando errado na vida do herói nacional e a polêmica o cercava por todos os lados, adivinhem?, o hidroavião que faria a recepção, sobrevoando o navio que o levava, sofreu um acidente, sem sobreviventes. Ah, o avião tinha o nome de… Santos Dumont.
Abalado, o herói brasileiro voltou a Paris. Lá, em junho de 1930, recebeu o título de Grande Oficial da Legião de Honra da França. A festa durou pouco. No ano seguinte, ficou internado em Biarritz, e Ortez, no sul da França. Teve que voltar ao Brasil, a tempo de virar membro da Academia Brasileira de Letras. Outra polêmica. Não me perguntem o livro que ele escreveu para merecer tal honraria… De qualquer forma, ele nunca chegou a tomar posse da cadeira 38.
Inquieto – e polêmico, não se esqueçam –, Santos Dumont aproveitou a Revolução Constitucionalista, em 1932, para apelar contra a guerra civil (o estado de São Paulo revoltou-se contra o governo de Getúlio Vargas). Não deu em nada. Aviões, logo eles…, atacaram o campo de Marte, em São Paulo, em 23 de julho. O inventor ficou angustiado, pirou. Nesse mesmo dia suicidou-se, aos 59 anos, sem deixar descendentes. Nem nota de suicídio. O corpo foi enterrado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro e o coração está exposto no museu da Força Aérea no Campo dos Afonsos. Os legistas registraram a morte como ataque cardíaco. As camareiras que acharam o corpo disseram que ele havia se enforcado com uma gravata. Mais polêmica. E até depois de sua morte.