O papa ofuscaria todos os demais na Cúpula da ONU
A julgar pelas suas últimas declarações públicas, especialmente sobre saúde reprodutiva, o Estado palestino, a legitimidade política de Cuba e, agora, a mudança climática, o papa Francisco ofuscará mais de 150 governantes quando participar da cúpula da ONU em setembro
O papa Francisco a bordo do papamóvel em sua visita às Filipinas, em 16 de janeiro de 2015. |
Thalif Deen, da IPS
“O papa será, muito provavelmente, quem dominará as manchetes” na cúpula que adotará a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, “sobretudo se continuar falando tão abertamente”, previu um veterano observador da ONU. As declarações, principalmente sociopolíticas do argentino Jorge Bergoglio, despertam defesas tão fervorosas quanto críticas hostis ao primeiro papa oriundo do Sul em desenvolvimento.
Em janeiro deste ano, durante uma viagem à Ásia, causou um alvoroço quando recomendou aos católicos praticarem a paternidade responsável e não se comportarem “como coelhos”. Nos Estados Unidos, políticos conservadores do opositor Partido Republicano criticaram o papa pelo papel fundamental que desempenhou no degelo das relações diplomáticas entre este país e Cuba. Francisco também provocou reação do lobby pró-israelense quando o Vaticano anunciou, em maio, que reconheceria o Estado da Palestina.
De fato, a maioria de seus pronunciamentos está em linha com as posturas da ONU, especialmente com sua agenda socioeconômica. “O imenso crescimento tecnológico não esteve acompanhado de um desenvolvimento do ser humano em responsabilidade, valores, consciência”, afirmou o papa em sua encíclica de 184 páginas divulgada no dia 18.
“Agora, diante da deterioração ambiental, quero me dirigir a cada pessoa que habita este planeta. Nesta encíclica procuro especialmente entrar em diálogo com todos sobre nossa casa comum”, destacou o papa. Francisco também se queixa da resposta política internacional. “A submissão da política diante da tecnologia e das finanças se mostra no fracasso das cúpulas mundiais sobre ambiente”, escreveu. “Há muitos interesses particulares e muito facilmente o interesse econômico chega a prevalecer sobre o bem comum e a manipular a informação para não terem seus projetos afetados”, acrescentou.
Em 2014, o papa Francisco também se referiu ao ambiente. “A monopolização de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados, são alguns dos males que arrancam o homem de sua terra natal”, afirmou na oportunidade. “A mudança climática, a perda de biodiversidade e o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos grandes cataclismos dos quais somos testemunhas”, assegurou.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, elogiou a encíclica papal porque destaca que “a mudança climática é um dos principais desafios atuais para a humanidade, e que se trata de um problema moral que exige um diálogo respeitoso com todos os setores da sociedade”. Ban compartilha das conclusões da encíclica referentes à existência de “um consenso científico muito sólido” que mostra um aquecimento significativo do sistema climático nas ultimas décadas, “principalmente como resultado da atividade humana”.
O secretário-geral exortou os governos a colocarem o bem comum mundial acima dos interesses nacionais e a adotarem um ambicioso acordo climático universal na 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática , que acontecerá em dezembro, em Paris.
Tim Gore, assessor climático da organização humanitária Oxfam Internacional, apontou à IPS que o papa ressaltou o problema moral da mudança climática. É uma injustiça profunda a contaminação gerada pelos países e pelas populações mais ricas do planeta provocar uma alteração climática danosa nas comunidades e nações mais pobres, afirmou. “Qualquer pessoa que se preocupe com a injustiça deveria estar preocupada com a mudança climática, e em seu chamado o papa se soma a muitos líderes religiosos, da sociedade civil e sindicais”, acrescentou.
Janet Redman, diretora do Programa de Política Climática do Instituto para os Estudos Políticos, com sede em Washington, também se referiu à encíclica papal. “O papa Francisco é muito claro. O atual modelo de desenvolvimento, baseado no uso intensivo de carvão, petróleo e inclusive gás natural, tem de acabar. Em seu lugar precisamos de fontes de energia renováveis e novas formas de produção e consumo que detenham o aquecimento mundial”, afirmou.
Segundo Redman, taxar o dióxido de carbono, desinvestir em combustíveis fósseis e pôr fim aos subsídios públicos para empresas contaminantes pode acabar com o domínio que as empresas energéticas exercem em nossos governos, nossas economias e sociedades. Em um comunicado divulgado no dia 18, Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU (1997-2006) e atual presidente do Africa Progress Panel, um comitê internacional que trabalha pelo desenvolvimento sustentável desse continente, destacou que a mudança climática é uma ameaça onipresente.
“É uma ameaça para nossa segurança, nossa saúde e nossas fontes de água fresca e comida. Essas condições poderiam causar o deslocamento de dezenas de milhões de pessoas e fomentar novos conflitos”, advertiu Annan. “Aplaudo o papa por sua forte liderança moral e ética. Necessitamos mais desse tipo de liderança inspirada. Chegaremos a vê-lo na cúpula do clima em Paris?”, perguntou.
Nos Estados Unidos, as críticas procedem em sua maioria de conservadores de direita, que querem que o papa se limite à religião. O deputado republicano Jeff Duncan, firme defensor de Israel, pontuou que Francisco deve evitar o debate sobre a Palestina e que o Vaticano deveria se dedicar a assuntos espirituais e não se intrometer na política.
No dia 16, pouco antes de se conhecer a encíclica papal sobre a mudança climática, Jeb Bush, o candidato à nomeação republicana para disputar a Presidência dos Estados Unidos, fez comentários semelhantes. “Creio que a religião deveria ter a ver com nos tornarmos pessoas melhores, e menos com as coisas que acabam por ingressar no campo político”, afirmou (Envolverde/IPS).