Higor de Lucas Vieira (*)
- Qual será o impacto esperado no poder de compra da classe média e baixa e no consumo interno? No longo prazo, como essas mudanças podem afetar a desigualdade de renda no Brasil?
A criação do plano é justamente para reduzir essa desigualdade. O que nós esperamos é que o consumo interno aumente, porque, se o país passar a tributar menos as pessoas que ganham até 5 mil reais, que é quase 90% da população, estimamos que cada vez mais recursos ficarão disponíveis para esses cidadãos, que têm pouca capacidade de poupança.
Dessa forma, esse recurso não iria para um investimento, porque ele normalmente seria consumido nos mercados e serviços. Isso poderia resultar, ainda, em um PIB mais pujante nesse sentido, já que teríamos mais consumo.
- Essas medidas estão alinhadas à estratégia fiscal do governo? Eles serão suficientes para reduzir o déficit ou equilibrar as contas públicas?
Devido a essa alta do consumo, esperamos uma inflação maior, justamente por uma pressão por demanda. Ou seja, se nós temos uma produção X e aumentamos bastante a demanda, gera-se um aumento natural de preços.
Um exemplo, imagina que você tem uma padaria e vende o pão a R$ 10,00. De repente, ao invés de entrar 10 clientes, começam a entrar 20 consumidores na sua empresa.
Consequentemente, tem duas soluções: fazer mais pães ou aumentar o preço deles. Isso é natural do ser humano, por isso entendemos que tem uma pressão inflacionária maior. Para que possamos ter o controle da nossa moeda, o governo, na figura do Banco Central, tende a subir taxas de juros e, com isso, o crédito também passa a ficar mais caro.
- Existe o risco de que essas alterações tenham efeitos indiretos na inflação, no crédito ou em investimentos empresariais?
Na verdade, há um efeito direto. Exatamente por esse motivo que vemos um dólar alto, precificando a nossa taxa de juros que está subindo, porque quando ela sobe, todo tipo de crédito fica mais caro. É como se o dinheiro estivesse valendo mais e o crédito é justamente o preço que o dinheiro tem.
Quando fazemos uma compra, nós pegamos um objeto de uma outra pessoa, de uma instituição, para poder fazer jus àquela compra. Aquilo fica mais caro para podermos acessar. Pode-se dizer que as taxas de juros vão subir sim. Um exemplo disso é o Banco Americano JPMorgan, que precificou a nossa Selic em 14,25%, no dia 28 de novembro. Estávamos vendo uma queda de juros, mas agora estamos olhando para uma alta de juros, devido a todas essas circunstâncias.
Ressalto também que a intenção do governo não é quebrar o país. Muitas pessoas falam que isso é ruim, mas essa é uma das estratégias para tentar reduzir a desigualdade. É importante essa discussão e é um plano interessante, porque a classe que ganha até 5 mil reais paga um imposto de renda muito alto mesmo.
Se pensar em termos percentuais e que esse volume de dinheiro normalmente é um volume de consumo, é difícil que você tenha dentro desse orçamento uma capacidade de investimento. Isso é muito direcionado ao consumo. Se vamos ter mais dinheiro disponível para consumo, por mais que precifique a inflação, e uma inflação mais alta, poderemos ter uma melhora na qualidade de vida dessas pessoas.
- Num contexto de altas taxas de juros e inflação sob controle, quais os efeitos esperados dessas medidas sobre o consumo interno e o crescimento econômico?
No contexto de alta de juros e inflação, é positivo que o consumo esteja acelerando, pois isso gera um produto interno bruto maior. Entretanto, o grande problema desse efeito, o qual está tudo interligado, é o aumento do dólar.
Essa reação impacta diretamente nos produtos que os brasileiros precisam tanto para vender, que é o caso do agronegócio, o principal setor do Brasil, quanto para comprar, considerando que consumimos muitos produtos em insumos em dólar, como a tecnologia e a carne.
Com isso, é esperado que esses preços aumentem mesmo. O dólar mais caro hoje está batendo R$ 6,00, considerada a máxima histórica, o que prejudica a nossa moeda, o nosso poder de compra frente a outras tecnologias produzidas em outros países.
- Qual é a visão do mercado financeiro sobre esse pacote? Ele traz segurança ou amplia as incertezas em relação à política econômica?
Para a maior parte dos economistas que você olha nas grandes mídias, é algo muito ruim. Mas, eu tenho uma visão um pouco diferente, pois percebo que essa é uma pauta importante e que precisa reduzir mesmo essa carga tributária do consumo na base, mas também levo em consideração que essa é a principal fonte de receita do governo.
Então, o que o mercado financeiro olha é que, se ele vai deixar de ter essa principal fonte de renda com os impostos, como que ele iria tributar tudo isso? Quando olhamos para grandes investidores, investidores institucionais, eles têm muitas maneiras de driblar esses impostos, enquanto as pessoas que ganham até 5 mil não tem como driblar. Justamente por esse motivo que elas são sempre as mais tributadas.
Se olharmos nas economias, essas classes são as que mais pagam imposto de renda, principalmente em relação ao percentual do seu patrimônio ou da sua geração de renda, porque eles têm poucas ferramentas para driblar esses impostos. Essa pauta é importante ser discutida para que seja possível a tentativa de diminuir essa desigualdade de classe econômica.
- Diante da pressão por maior justiça tributária, essas mudanças são suficientes para avançar na redução das desigualdades, ou seriam apenas paliativas?
É um início. Sempre que nós temos grandes mudanças, também iniciamos um diálogo. O Congresso e o Senado são sobre isso. Diálogo é sobre conversar e tentar achar um meio de fazer com que a sociedade progrida de uma forma que mais pessoas sejam beneficiadas, com menos efeitos negativos em relação a isso.
Então, se vamos melhorar a vida das pessoas que vão ganhar até 5 mil reais, como que a gente pode controlar as contas e manter todo o sistema funcionando, sem ter, por exemplo, uma inflação muito alta, nossa perda de poder de compra? O mercado está batendo muito forte nisso.
- Como o pacote pode afetar setores que concentram grandes receitas, como o agronegócio e o mercado financeiro? Existe risco de evento organizado contra a tributação?
O próprio mercado financeiro vê muito risco nisso, pois é um momento de muita especulação. O mercado financeiro se baseia no comportamento das pessoas e, muitas vezes, no comportamento de grandes investidores, de grandes bancos, que tomam a decisão por outros investidores.
Por exemplo, eu tenho uma padaria e eu começo a imaginar que o preço da farinha vai subir, mas isso não acontece de fato, principalmente vindo do meu fornecedor. Mas, só de as pessoas esperarem que o preço vai subir, elas já começam a se proteger, porque é isso que o ser humano faz. Isso significa que um ruído tem muito impacto no comportamento das pessoas.
Vemos isso também nas declarações do Elon Musk, em relação às criptomoedas. Muitas vezes o que ele fala ou o resultado de alguma coisa que acontece na mídia tem um impacto que não necessariamente aquele evento causaria, mas a percepção daquilo faz com que seja de fato concretizado.
(*) – É especialista investimentos da WIT Invest (https://www.wit.com.br/).