Durante décadas, a ideia de ter uma única carreira ao longo da vida foi vista como sinônimo de sucesso. Permanecer na mesma empresa e subir degrau por degrau até a aposentadoria era o objetivo de muitos profissionais. Atualmente, essa visão se tornou ultrapassada, e a transição de carreira se consolidou como uma escolha cada vez mais comum e, muitas vezes, necessária.
Segundo a psicóloga clínica e organizacional Aila Cardial, com 15 anos de experiência em saúde mental e carreira, essa mudança de mentalidade é reflexo tanto das transformações no mercado de trabalho quanto da busca dos indivíduos por mais propósito, flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “As pessoas querem mais do que um emprego que pague as contas. Elas buscam algo que esteja conectado com quem são e que faça sentido para suas vidas. Quando o trabalho perde esse significado, a necessidade de mudança se torna inevitável”, afirma.
A constante busca por realização pessoal e profissional impulsiona os movimentos de carreira. Um levantamento no início deste ano da rede social LinkedIn mostrou que 60% dos trabalhadores brasileiros cogitavam mudar de emprego ainda em 2024. Outra pesquisa, realizada pelo InfoJobs e RH Pra Você, mostrou que 50,8% dos participantes já realizaram uma ou mais transições de carreira; entre os que nunca mudaram de área, 92,4% consideram uma possível mudança no futuro.
Entre os principais motivos para uma transição de carreira, o desejo de crescimento pessoal e profissional é o mais citado, com 49,2%. Outros 32,2% afirmaram buscar uma melhor qualidade de vida, enquanto 29,1% desejavam desenvolver novas habilidades ou experimentar diferentes áreas de atuação.
. Nem toda transição de carreira é radical – Embora a transição de carreira seja frequentemente associada a uma transformação radical, como sair de um setor totalmente diferente, Aila Cardial ressalta que nem todas as mudanças precisam ser tão complexas. Pequenos ajustes podem ser suficientes para renovar o entusiasmo e trazer satisfação. Trocar de empresa, alterar o formato de trabalho ou buscar novas responsabilidades dentro da mesma área são exemplos de mudanças sutis, mas com impacto significativo.
Aila compartilha sua própria experiência de transição. Após anos atuando no ambiente corporativo, ela decidiu seguir uma carreira independente como psicóloga, mantendo-se na sua profissão, mas com mais liberdade e controle sobre sua rotina. “Para mim, a mudança não foi de área, mas de estilo de vida. Eu precisava de mais autonomia e flexibilidade, e isso fez toda a diferença na minha satisfação profissional”.
Por outro lado, há casos em que a transformação precisa ser mais profunda. A psicóloga lembra de uma cliente que, após anos de sucesso no setor financeiro, sentia-se esgotada e decidiu tornar-se instrutora de ioga. “Essa foi uma mudança essencial para ela recuperar o equilíbrio emocional e reconectar-se com algo que a fazia feliz”.
Independentemente do quão radical será a transição, vale uma reflexão profunda sobre as reais motivações para a mudança. Perguntar para si o que realmente espera de sua vida profissional e quais aspectos precisam ser transformados para alcançar essa nova fase de forma mais consciente são algumas das recomendações. O objetivo dessa reflexão interna é evitar mudanças impulsivas, que podem gerar novas frustrações.
Muitas vezes, o profissional sente que algo está errado, mas não sabe identificar exatamente o quê. O autoconhecimento é essencial para entender se o problema está no tipo de trabalho, no ambiente, ou até mesmo em uma mudança de valores pessoais.
. Desafios e preparação para uma transição bem-sucedida – As transições de carreira têm o lado positivo da renovação e das novas oportunidades, mas também envolvem desafios. A pesquisa InfoJobs e RH Pra Você revela que 54,8% dos profissionais que mudaram de área enfrentaram dificuldades devido à falta de experiência na nova função, enquanto 39,2% encontraram obstáculos para se recolocar no mercado e 33,8% tiveram problemas financeiros.
Para minimizar esses riscos, Aila sugere planejar-se financeiramente, criando uma reserva que garanta estabilidade durante a transição. Também é importante buscar capacitação e desenvolver novas habilidades na área desejada. Outra recomendação é a construção de uma rede de contatos, para abrir portas e facilitar o processo de adaptação na nova área.
Por fim, Aila ressalta a importância de contar com apoio emocional durante a transição. Esse apoio pode vir de amigos, familiares ou até de profissionais, como mentores e terapeutas, que ajudam a lidar com os desafios emocionais e práticos da mudança. “As transições podem ser desafiadoras e, muitas vezes, solitárias. Ter uma rede de apoio ao lado faz toda a diferença para enfrentar as incertezas e obstáculos que surgem no caminho”, completa.
. O futuro do trabalho: múltiplas transições ao longo da vida – Com o aumento da expectativa de vida e o avanço da tecnologia, é natural que muitos profissionais passem por várias transições ao longo de suas carreiras. Segundo um relatório da McKinsey & Company, até 2030, cerca de 375 milhões de trabalhadores no mundo precisarão mudar de profissão ou adquirir novas habilidades para se adaptar às novas demandas do mercado.
A inteligência artificial e a automação estão redesenhando setores inteiros, e a capacidade de se reinventar será cada vez mais essencial.
Nesse cenário, o conceito de uma carreira linear, que começa e termina no mesmo setor, está desaparecendo. Hoje, os profissionais revisitam suas trajetórias em diferentes momentos da vida, e isso é parte do processo de crescimento.
A capacidade de aprender continuamente e de se adaptar às mudanças será o diferencial no futuro. E embora as transições de carreira possam parecer desafiadoras, elas também representam uma oportunidade de alinhar o trabalho com os valores pessoais e encontrar mais satisfação na vida profissional.
. Vale a pena mudar? – Mesmo com os obstáculos, os benefícios são perceptíveis. Segundo a pesquisa, 63,1% dos profissionais que mudaram de carreira estão satisfeitos com a nova trajetória, e 96% recomendam que outras pessoas façam o mesmo. Para Aila, esse resultado reforça que, quando a mudança é feita de forma consciente, ela tende a trazer mais realização e um novo fôlego à vida profissional.
“O que estamos vendo é que as carreiras se tornaram mais dinâmicas. As pessoas mudam não porque falharam, mas porque buscam algo que faça mais sentido em diferentes fases de suas vidas”, conclui Aila Cardial. – Fonte e outras informações: (https://ailacardial.com.br/).