Heródoto Barbeiro (*)
A polêmica da legalidade dos chamados jogos de azar está de volta.
Envolve até mesmo a primeira-dama do Brasil. Toda vez que um projeto de liberação dos jogos chega ao Congresso Nacional, há fortes reações contrárias de determinados setores da sociedade, entre eles a Igreja.
Há os que querem a tutela do Estado sobre pessoas que não conseguem se controlar e arriscam tudo o que possuem na ânsia de ficarem ricas do dia para a noite. O jogo, assim como as drogas, cria dependência psicológica e física. É uma adicção como outra qualquer e, por isso, o Estado precisa estar presente e impedir a contaminação de toda a sociedade pelo jogo de azar.
Deputados e senadores debatem se o poder público deve interferir na decisão íntima dos cidadãos, ainda que seja por uma causa considerada nobre. O jogo faz parte da cultura da humanidade desde tempos imemoriais. Jogar é arriscar-se a ganhar ou perder. Contudo, tem jogos que dependem da habilidade do jogador, como, por exemplo, o xadrez. Mas há muitos outros que dependem da possibilidade e do acaso para ser vencedor.
Estes são rotulados como jogos de azar. Com o desenvolvimento da sociedade capitalista de massa, os cassinos passam a ser uma atividade econômica lucrativa, e que usa da publicidade e do marketing para açular a ânsia do jogador a ter muito dinheiro para gastar, para o consumo dos produtos que a industrialização mostra todos os dias nos mais diversos meios de comunicação.
O sonho contemporâneo se materializa no ter, possuir, usufruir, experimentar… O sonho do ser é substituído pelo consumismo exagerado de produtos e todas as formas de prazer. Inclusive as ilegais, como os jogos nas roletas dos sofisticados e caros cassinos com requintados restaurantes e hospedagem de primeira linha.
O presidente da República tem posição dúbia sobre assinar ou não um decreto que acabe de vez com cassinos e outros locais de jogos. Os jornalistas que cobrem o palácio presidencial dizem que ele sofre pressão contínua da primeira-dama, uma mulher conservadora e com alguma influência na capital do Brasil.
É uma santinha, dizem admiradores e detratores da primeira-dama, constantemente fotografada em eventos públicos ao lado de autoridades, até mesmo do ditador. Getúlio Vargas liberou os cassinos em 1934 e funcionaram até quando foi derrubado por um golpe de estado em 1945. Nas eleições do ano seguinte, o seu ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, é eleito com a volta da democracia.
Dona Santinha, ou Carmela Dutra, conservadora e carola, pressiona o marido para que ponha um ponto final na jogatina. Afinal, os cassinos do Rio de Janeiro são antros de perdição, prostituição, shows, bebedeiras e destruição de famílias da elite local. Quem quiser que se arrisque a pegar um voo para Las Vegas ou Monte Carlo. Logo no primeiro ano de mandato, Dutra proíbe os jogos de azar.
O jogo do bicho continua na clandestinidade. E as loterias continuam livres, leves e soltas, ainda que consideradas por 10 entre nove especialistas como um jogo de azar.
(*) – É âncora do Jornal Nova Brasil, colunista do R7. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Palestras e mídia training. Canal no Youtube “Por Dentro da Máquina” (www.herodoto.com.br).