Gustavo Carvalho Machado (*)
Que empresas utilizam técnicas de rastreamento para supervisionar a rotina de seus funcionários não é nenhuma novidade, mas com o crescimento do trabalho remoto – acelerado pela pandemia do Coronavírus – a utilização de softwares de monitoramento tornou-se muito popular.
Em uma pesquisa conduzida pela Resume Builder em 2023 com mil líderes empresariais nos Estados Unidos, que lideram equipes predominantemente remotas ou híbridas, foi revelado que 96% desses gestores empregam algum tipo de software para monitoramento de funcionários.
Por meio do uso dessas ferramentas – o que também é chamado de bossware (neologismo oriundo da soma das palavras boss e software) -, empresas conseguem rastrear as atividades realizadas por seus funcionários. Registro de teclas digitadas, monitoramento de tela, gravação de sons de microfones, acompanhamento do tempo de uso e do número de e-mails enviados são algumas das técnicas utilizadas.
Nos EUA, redes como Outback e KFC já estão utilizando ferramentas com sistemas de Inteligência Artificial embutidos para avaliar o desempenho de seus funcionários. Reconhecimento facial para identificação do trabalhador e transcrição de áudios para detectar se o funcionário tentou oferecer complementos ou inscrever o cliente em programa de fidelidade são alguns exemplos de técnicas utilizadas.
A justificativa dos empregadores para a utilização de ferramentas de bossware normalmente é de que são importantes para melhorar a produtividade da empresa, avaliar desempenho de trabalhadores de forma mais assertiva, além de melhorar a eficiência operacional.
Porém, há aqueles que recorrem a esses mecanismos por desconfiança em relação à produtividade de seus funcionários, utilizando-os como meio de manter um controle rigoroso sobre os seus subordinados.
Considerando o contexto brasileiro, é fundamental ressaltar que a fiscalização do trabalho é um direito do empregador, inserido em seu poder de direção. No entanto, este poder não é ilimitado; é preciso respeitar, entre outros aspectos, a privacidade e a dignidade do trabalhador. Logo, todo monitoramento deve ser conduzido com prudência.
A propósito, a extensão do poder de controle do empregador deve ser guiada pela própria natureza da atividade desempenhada pelo empregado. A atividade servirá, portanto, como critério para avaliar se o monitoramento realizado é razoável ou não.
Adicionalmente, é imprescindível reconhecer que, ao monitorar os seus funcionários, o empregador inevitavelmente acessará e tratará seus dados pessoais, sendo, portanto, obrigatório o cumprimento das disposições estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados.
Nesse contexto, a empresa deve ser transparente quanto ao monitoramento realizado. A LGPD exige que a finalidade do uso de dados e do monitoramento seja comunicada de maneira clara e de forma acessível para garantir que todos a compreendam.
Nesse ponto, as informações acerca do tratamento deverão ser disponibilizadas respeitando, no mínimo, os requisitos previstos no art. 9º da LGPD. Nos casos em que a empresa fornece as ferramentas de trabalho, também é essencial formalizar que esses equipamentos devam ser utilizados exclusivamente para fins profissionais.
Trata-se de uma boa prática para alinhar as expectativas dos funcionários, evitando-se surpresas. Da mesma forma, nas situações em que o uso de dispositivos pessoais é permitido, é recomendável estabelecer diretrizes claras sobre sua utilização.
Somada à transparência, o empregador deve implementar medidas adequadas e estritamente necessárias para alcançar os seus objetivos. Como recomendado pelo Working Party 29 em seu guia sobre processamento de dados no trabalho, as empresas devem tomar medidas proporcionais ao risco que o trabalho represente, evitando-se a implantação de medidas muito invasivas.
Devem-se adotar providências razoáveis e estritamente necessárias para fiscalizar o trabalho do funcionário, bem como resguardar a segurança do negócio. Outro aspecto que requer atenção é a determinação da LGPD de que o tratamento de dados só pode ser realizado dentro das hipóteses previstas na lei.
Nesse cenário, é importante destacar que o uso do consentimento deve ser evitado em relações de emprego, pois o consentimento precisa ser livre, o que é questionável em uma relação marcada pela subordinação.
Ou seja, a coleta de uma autorização do trabalhador para permitir o monitoramento de seu trabalho definitivamente não é o melhor caminho a seguir. Normalmente, a base legal utilizada nesses casos é o legítimo interesse, porém, vale mencionar que, segundo a legislação, o legítimo interesse não permite, por exemplo, o tratamento de dados pessoais sensíveis, tal como a biometria facial.
Reitera-se, portanto, a necessidade de o empregador agir com cautela ao selecionar os métodos de fiscalização de seus empregados, garantindo que não ultrapasse os limites da supervisão legítima e evitando o abuso do seu poder de direção.
(*) – É Advogado e Sócio-fundador do DMS Advogados. Mestre em Direito e Inovação (UFJF) e Pós em Compliance e Integridade Corporativa (PUC-MG) – (https://www.dmsadvogados.adv.br).