Heródoto Barbeiro (*)
O presidente promete que vai socorrer Porto Alegre inundada por uma imensa enchente. Ventos e chuva são os vilões da catástrofe.
Os primeiros sintomas são o forte vento que sopra velozmente e impede que as águas do rio Guaíba escorram. As ruas começam a ser inundadas e a enxurrada toma conta de boa parte de cidade de Porto Alegre e atinge o sistema de abastecimento de água, que entra em colapso. Os coletores de esgotos são inundados e a sujeira boia no meio de ruas e avenidas da cidade. As chuvas não dão trégua e caem durante um longo período de 24 dias. É uma tragédia anunciada.
Prefeito e governador acalmam a população com a esperança de que a chuva pare depois de tantos dias, coisa jamais vista pelos gaúchos em sua capital. Ninguém se arrisca a explicar a origem de tanta chuva, não só em Porto Alegre, mas nas cabeceiras dos rios da região que desaguam no Guaíba, que faz o papel de um imenso funil de transporte das águas para a Lagoa dos Patos.
Nenhum dos cientistas atribui a enchente ao aquecimento global. É um assunto que não impacta a universidade e os ecologistas. Os pessimistas avaliam grandes perdas no agronegócio e anunciam que até as abelhas pereceram na enxurrada. Para a população das encostas dos morros, é um castigo de Deus e a solução deve ser buscada no campo religioso. Os veículos de comunicação batem cabeça sobre o número de atingidos.
O governador e o prefeito da capital andam como baratas tontas sem saber o que dizer para os que perderam tudo o que acumularam em suas casas com tanto sacrifício. Pelo menos uma vacinação de emergência é necessária. Uma romaria de desabrigados bate nas portas do palácio do Piratini, que simplesmente não tem dinheiro para pensar em reconstrução. Os mais velhos atestam que nunca viram uma enchente igual e o nível na água do rio cresce 2 centímetros por hora. Contudo, no meio da tragédia é possível ver pessoas pescando e crianças brincando em piscinas públicas em Porto Alegre.
Felizmente, as mortes são poucas. Habitantes das encostas são poucos, o que minimiza o risco. Os moradores de Porto Alegre dormem tranquilos mesmo com a chuva insistente. As inundações da cidade ocorrem sempre no segundo semestre. As enchentes estiveram presentes nos últimos 15 anos, e sempre foram bem comportadas. Nada que se assemelhe a essa, turbinada pelo fenômeno climático El Niño. A tal cortina protetora para impedir a invasão da cidade pelas águas na cidade não sai do papel.
Os governantes gaúchos, seguindo o modelo nacional, rezam para não chover e terem tempo para empurrar com a barriga as obras de contenção das águas do rio Guaíba. O caís de Porto Alegre em 1941 tem três metros, mas a água sobe a quase cinco e inunda tudo. Felizmente, as águas do Guaíba são limpas, sem contaminação industrial, nem de agrotóxicos e não passaram pela tubulação de esgoto.
A água não é límpida, mas não é perigosa. Ainda assim, Porto Alegre não escapou da leptospirose que deixou 26 pessoas mortas. O impacto da inundação da cidade, no mesmo ano do ataque japonês à base americana de Pearl Harbour, foi imenso. O jornal A Época, de Caxias, estampa: “O Rio Grande do Sul vive os dias mais angustiantes e catastróficos de sua história”.
O ditador Getúlio Vargas, gaúcho, promete todo apoio do governo federal para que nunca mais uma catástrofe como essa se repita. Mas se repetiu.
(*) É jornalista do Record News, R7 e Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo.