Certa vez, ouvi de um palestrante que ética é o que você faz longe dos olhos das pessoas. E transparência é aquilo que você faz quando sabe que está sendo observado. Achei essas explicações maravilhosas pela simplicidade e pela objetividade de seus conceitos. Impossível não concordarmos com elas. Apesar de existirem muito mais elementos relacionados a esses dois termos (o que poderia complicar um pouco seus entendimentos), podemos partir da hipótese que tais palavras proferidas no evento de anos atrás sejam verdadeiras e autossuficientes.
Ética seria o que os indivíduos fazem quando estão sozinhos. A pessoa acorda no meio da noite e vai até a geladeira beber água. Os demais integrantes da casa estão dormindo e, assim, não têm ciência do que se passa na cozinha. O que o madrugador ocasional faz: bebe a água diretamente da garrafa ou pega um copo para se servir? E ele repõe o líquido consumido que está terminando ou devolve o recipiente quase vazio à geladeira? As respostas para essas questões passam pela ética. Afinal, ninguém está olhando e provavelmente os outros moradores não saberão na manhã seguinte o que ocorreu ali. Dependendo da ética, as pessoas terão comportamentos muito distintos nessa situação. Há quem vá beber no gargalo e devolver a garrafa vazia e há quem usará um copo e fará a reposição do líquido antes de devolver o recipiente à geladeira.
A transparência entra em cena quando há alguém presente no recinto ou quando é possível saber o que se passou ali. Se tivermos um outro morador na cozinha naquele momento, muito provavelmente a reação do indivíduo com sede se alterará drasticamente. Aos olhos da sociedade, certos comportamentos não são aceitos e, portanto, precisam ser moldados. Sabendo que virá reclamação pela frente, a pessoa pega um copo para se servir e depois enche a garrafa de água. Experimente colocar uma câmera na cozinha e comunique aos moradores a vigilância eletrônica. Certamente, as movimentações noturnas terão outros desfechos, totalmente distintos!
É verdade também que o monitoramento constante perde um pouco da sua força. Aí a ética consegue suplantar a transparência. Quem assiste ao Big Brother Brasil (ou reality shows concorrentes) já deve ter notado que a partir de um determinado momento da atração, ou em instantes pontuais, alguns participantes se esquecem dos olhares do público externo. Como consequência, agem com a naturalidade típica daqueles que estão sozinhos no ambiente e não como alguém observado pela sociedade.
Trago essa questão hoje porque assim como a ética e a transparência saem da palestra teórica e ganham contornos na vida prática (nada mais humano do que perambular pela geladeira à noite, não é?), esses conceitos ganham forma na rotina empresarial. Há algumas semanas, um amigo querido veio reclamar que encontrou um engenhoso esquema de desvio de recursos na sua companhia. Ele não acreditava que os colaboradores foram capazes de cometer tais deslizes mesmo sabendo do monitoramento constante. Na visão dele, a transparência inibiria os deslizes éticos. Assim deve ter ocorrido no período inicial da implantação do controle. Porém, quando a equipe se acostumou com o monitoramento frequente, os instintos pouco edificantes ressurgiram com força.
Denise Debiasi é CEO da Bi2 Partners, reconhecida pela expertise e reputação de seus profissionais nas áreas de investigações globais e inteligência estratégica, governança e finanças corporativas, conformidade com leis nacionais e internacionais de combate à corrupção, antissuborno e antilavagem de dinheiro, arbitragem e suporte a litígios, entre outros serviços de primeira importância em mercados emergentes.