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E se o “vestir a camisa” virar um tiro no pé?

em Artigos
terça-feira, 06 de fevereiro de 2024

Claudia Bouman (*)

Sucesso da estação de premiações televisivas, a série Sucession (disponível na HBO Max), já em sua quarta temporada, conta a saga de uma família proprietária de um império de mídia fundada por seu patriarca, que disputa a liderança do grupo com acionistas hostis e filhos ambiciosos. O grupo almeja ser o maior titã mundial do setor e abraça desde cruzeiros marítimos a jornais, jogos eletrônicos e parques.

E é nesse segmento onde o drama imita a vida. O primeiro episódio da novela apresenta um novato – sobrinho do patriarca – que tenta emprego em um dos parques do grupo e passa por treinamento, certamente inspirado na famosa Universidade Disney. Infelizmente ele não havia sido preparado o suficiente para enfrentar criancinhas tresloucadas, que o levam a destruir a fantasia, correr em fuga e ser despedido em seu primeiro dia de trabalho depois de quase agredir um dos meninos entusiasmados.

A Universidade Disney foi criada para oferecer a seus funcionários recursos para excelência em atendimento. Eles são preparados para atender seu público com maestria (naturalmente, oferecendo soluções possíveis para situações como a descrita acima). Já foi muito além deste quesito e oferece formação, inclusive para terceiros, em tópicos que incluem gestão, criatividade e inovação. Mesmo não sendo uma instituição educacional credenciada como tal, é uma das escolas mais respeitadas no mundo na área.

O primeiro dia do programa se dedica a apresentar as tradições do grupo, incluindo sua história e cultura. É o mesmo que ocorre na série televisiva. A diferença é que enquanto a Disney mantém sua reputação com tentáculos bem-preparados em diversos pilares, da bolsa aos sindicatos, a ficcional corporação do drama premiado apresenta pecadilhos reputacionais em todas as áreas possíveis.

Os membros da família incluem viciados em recuperação (ou não), irresponsáveis e desempregados de carteirinha. Um deles se dedica a colecionar peças históricas da segunda guerra mundial, como o pênis de Hitler, e, quando finalmente se decide trabalhar, depois dos 50 anos, descobre o cargo que considera ideal – a presidência dos Estados Unidos – e defende nos próprios canais do grupo ideias como deixar de pagar impostos. Corporativamente, a empresa destrói parceiros recém-adquiridos, abusa abertamente de empregados e acionistas.

O treinamento ficcional insiste na necessidade de “vestir a camisa”. Mas que camisa, cara-pálida? Não há programa capaz de superar questões reputacionais prementes, internas ou externas. A cultura, o modo de fazer as coisas, reflete e, ao mesmo tempo, constrói a reputação de qualquer instituição. E é esse modo de fazer as coisas – todas elas – a régua que vai medir o índice reputacional capaz de enriquecer ou destruir o sucesso de uma empresa, marca ou produto.

Pouco adianta ensinar empregados a reproduzirem fielmente o modo de fazer as coisas se ele, no fundo, corresponde à verdade de fatos pouco positivos. Mais cedo ou mais tarde eles serão expostos por funcionários ou ex-funcionários, minando por dentro os resultados a serem obtidos. Avaliar a questão reputacional sob este ponto de vista é uma boa estratégia para os responsáveis por treinamento e educação corporativa.

(*) -Especialista em reputação de marca, é sócia da Percepta Marketing e Comportamento (https://www.linkedin.com/in/claudiabouman/).