Felipe Kury (*)
Após dois anos de preços de energia nas alturas, efeito pós-pandemia e prolongamento do conflito entre Rússia e Ucrânia, as maiores empresas de petróleo do mundo acumularam enormes somas de recursos com resultados financeiros impressionantes no ano de 2022.
Em fevereiro, a Shell divulgou lucro líquido anual de US$ 42 bilhões, mais que o dobro do valor do ano anterior e o maior em mais de um século como empresa de capital aberto. Seguindo a rodada de anúncios, a norte-americana ExxonMobil anunciou um lucro líquido anual recorde de US$ 56 bilhões. Sua principal concorrente nos EUA, a Chevron, informou que seu lucro líquido anual mais que dobrou, chegando a cerca de US$ 37 bilhões.
Já na Europa, a norueguesa Equinor apresentou lucro líquido recorde de US$ 28,7 bilhões, acima dos US$ 8,6 bilhões do ano anterior. Na sequência, a gigante britânica BP anunciou lucro anual recorde de quase US$ 28 bilhões, o maior nos 114 anos de história da empresa – e mais que o dobro do ano anterior.
E, finalmente, a petrolífera francesa TotalEnergies, registrou um lucro líquido recorde de US$ 36,2 bilhões – o dobro do ano anterior, juntando-se aos lucros abundantes do setor graças aos preços mais altos do petróleo e gás natural, desde o início do conflito entre Rússia e Ucrânia.
No Brasil, como integrante do grupo de National Oil Companies (NOCs), a Petrobras também apresentou resultados expressivos em 2022, com recordes de lucro líquido recorrente e EBITDA, respectivamente, de US$ 34 bilhões (113% em relação 2021) e US$ 67 bilhões (47,5% em relação a 2021). Adicionalmente, a empresa recolheu o valor recorde aproximado de US$ 54 bilhões em tributos e participações governamentais, superando a marca de R$ 1 trilhão na soma dos últimos cinco anos.
E, finalmente, no ranking mundial de pagamentos de dividendos, a estatal foi a segunda maior pagadora do mundo em 2022, tendo distribuído US$ 21,7 bilhões em proventos, mais que o dobro dos depósitos de 2021, que somaram US$ 9,1 bilhões – perdendo somente para a mineradora australiana BHP, que pagou US$ 23,5 bilhões em dividendos aos seus investidores.
Os excelentes balanços do ano pagam dividendos excepcionais aos investidores e ajudam a reduzir o endividamento das empresas, mas o mais importante: motiva um realinhamento na estratégia de alocação de recursos, dada a atual conjuntura. De fato, após vários anos de investimentos limitados em petróleo e gás natural – resultado do choque de demanda provocado pela pandemia, políticas mais abrangentes de transição energética e mudanças climáticas – as grandes petrolíferas estão, mais uma vez, intensificando investimentos em exploração de petróleo.
De acordo com a S&P Global, estima-se que, em 2022, os investimentos de capital (capex) no Upstream (Exploração e Produção de Petróleo), em todo o mundo, foram de cerca de US$ 450 bilhões. Este valor inclui petrolíferas supermajors e nacionais (NOCs), e configura um bem acima da mínima dos últimos 15 anos, que foi cerca de US$ 350 bilhões. Porém, os investimentos em capex ainda estão muito aquém da máxima, que foi cerca de US$ 800 bilhões, em 2014.
A novidade, entretanto, é resultado da nova conjuntura geopolítica. Verifica-se que as empresas estão mais avessas às regiões com alto risco político e/ou infraestrutura precária para comercializar a produção. As empresas americanas, por exemplo, estão evitando regiões de novas fronteiras – especialmente as com alto risco político e que carecem de infraestrutura.
Já as europeias, talvez um pouco mais arrojadas, estão reavaliando, e em alguns casos, rejeitando projetos nos EUA em favor de projetos na África – com maior potencial petrolífero e menos restrições ambientais. De qualquer ângulo que se examine este movimento, percebe-se que existe uma grande mudança na estratégia de alocação de recursos pelas principais companhias de petróleo do mundo.
Em um artigo publicado recentemente na revista The Economist, são citados alguns exemplos.
As supermajors americanas têm demonstrado maior interesse em investimentos nos EUA e em algumas regiões da América Latina. A ExxonMobil, assim como a maioria das empresas ocidentais, deixou a Rússia após a invasão da Ucrânia. Também se desfez – ou quer se desfazer – de ativos em países do continente africano, como Camarões, Chade, Guiné Equatorial e Nigéria.
A Chevron vendeu projetos na Grã-Bretanha e na Dinamarca (bem como no Brasil) e não renovou as concessões vencidas na Indonésia e na Tailândia. Nos últimos 10 anos, a ExxonMobil tem investido de forma mais intensa em novos campos na Guiana, onde obteve resultados bastantes promissores.
Já a Chevron, pretende canalizar mais de um terço de seus investimentos este ano para o shale gas americano e cerca de 20% para projetos no Golfo do México. E, mais recentemente, com anuência do governo americano, reiniciou o comércio de petróleo bruto na Venezuela. Em movimento similar, as supermajors europeias estão reduzindo sua exposição em áreas de maior risco.
Assim como a ExxonMobil, a BP e a Shell estão deixando a Rússia, o que representa importantes ajustes contábeis, de cerca de US$ 25 bilhões e
US$ 5 bilhões, respectivamente. A Shell também se desfez de seus ativos de shale gas no Texas e colocou outros à venda no Golfo do México. A BP está se desfazendo de seus ativos no México e, existe movimentação para sair de Angola, Azerbaijão, Iraque, Omã e Emirados Árabes Unidos.
E, não menos importante, a TotalEnergies está saindo das areias betuminosas do Canadá. As empresas europeias estão com maior interesse em regiões ao sul do continente europeu – no caso, a África. De fato, a Europa busca alternativas para substituir a energia proveniente da Rússia.
Recentemente, a Shell e a norueguesa Equinor assinaram um acordo com a Tanzânia, país do leste africano, para construir um terminal de gás natural liquefeito (GNL), de US$ 30 bilhões. A francesa TotalEnergies pretende investir em projetos de gás natural em Moçambique e na África do Sul. Já a italiana Eni, anunciou um contrato de gás natural de US$ 8 bilhões com a estatal National Oil Corporation, da Líbia.
Importante destacar as principais motivações para esse realinhamento. A primeira, e talvez a mais importante, tem a ver com a relação risco/retorno dos projetos. Em um passado não muito distante, de altos preços do petróleo, houve muitos investimentos com pouco controle de custos e muito desperdício, impactando o retorno para os acionistas. Nos anos anteriores à pandemia, inúmeros projetos de petróleo em todo mundo perderam bilhões de dólares, prejudicando fortemente o retorno esperado por acionistas.
Na conjuntura atual, os investidores estão exigindo uma disciplina de alocação de capital muito maior das supermajors. A maior parte dos investimentos busca retornos em um ciclo mais curto, entre cinco anos e dez anos. Além disso, existe um foco muito maior em eficiência e utilização de novas tecnologias, tais como: inteligência artificial, automação, big data, robótica, entre outras, com os objetivos de aumentar a produtividade e segurança operacional.
Desta forma, todo este movimento significa menor quantidade de projetos em regiões de maior risco político e/ou áreas com infraestrutura precária ou maior risco geológico em prol de regiões que possam resultar em uma relação risco/retorno maior. Outro fator importante, talvez mais evidente na supermajors europeias, tem a ver com as pressões para descarbonização dos seus portfólios e iniciativas para acelerar a transição energética.
Muitas regiões ao sul do hemisfério (tanto na América Latina quanto na África), apresentam abundância de recursos naturais e áreas que favorecem projetos de energia renovável – principalmente para produção de hidrogênio limpo, energia solar, eólica e hídrica. Como fica o Brasil neste contexto? O país possui excelentes condições para continuar atraindo novos investimentos das supermajors.
Apesar de algumas incertezas no curto prazo, em função da transição de governo, o Brasil conta com expectativas de investimentos diretos e indiretos, na ordem de US$ 428 bilhões para os próximos 10 anos, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) – fruto de inúmeras reformas no setor de petróleo, gás natural e biocombustíveis, nos últimos anos.
Além disso, o país conta com uma abundância de recursos naturais e inúmeras possibilidades de geração de energia renovável, que podem garantir excelentes projetos de descarbonização para o portfólio das supermajors. Por fim, a crise global de energia, além dos sinais de uma possível recessão nas maiores economias do mundo, ainda prevalece.
Desta forma, governos precisam responder com políticas mais fortes a fim de garantir a segurança energética e acelerar a transição para fontes mais limpas. O momento oferece oportunidades incríveis para muitos países, em especial, para o Brasil.
Contudo, é necessário que o país estabeleça diretrizes claras e objetivas para o setor, além de estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica – proporcionando, assim, um ambiente de negócios mais favorável a novos investimentos e uma relação risco/retorno superior aos seus pares no mundo.
(*) – É ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e consultor independente.