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É normal não estar normal quando as coisas não estão normais

em Destaques
domingo, 08 de maio de 2022

Não é mais novidade que o isolamento social, o medo do desconhecido, a mudança de rotina e formato no modo de trabalhar impactaram a todos. Mas a questão é que a pandemia não trouxe algo tão novo assim. Em verdade, fez transparecer que já não vivíamos bem, ou seja, já não levávamos uma forma de vida com a qualidade que poderíamos.

Pelo menos é o que afirma Roberto Aylmer (*), que cita ainda que a saúde mental já está na agenda das organizações. De acordo com ele, que é consultor em liderança de pessoas no contexto complexo, fomos surpreendidos por uma situação de extrema intensidade, porém estávamos sem reservas, ou seja, como já vínhamos num ritmo ruim, estávamos sem reserva para encarar algo tão imprevisível e impactante.

“Estávamos com o “tanque vazio” e diante de uma pressão longa e intensa é inevitável o esgotamento”, afirma o especialista, acrescentando que neste momento de retomada é comum reencontrar as pessoas e perguntá-las se estão bem, mas a resposta, embora seja positiva, não é convincente, pois todos estão bem estressados, cansados, deprimidos. Isso é mais normal do que se imagina e, por isso, ele chama a atenção para o conceito: “é normal não estar normal quando as coisas não estão normais”, mas a maioria das pessoas resistem a isso.

“Infelizmente, ainda há preconceito. As pessoas têm dificuldade em admitir uma crise de ansiedade, que está deprimido etc. O problema é o medo que ainda temos do estigma de ter um problema na saúde mental”, revela o professor. Mas a conta não está fechando. “O ponto é que gastamos muito mais energia do que tínhamos para gastar”, sinaliza Aylmer.

Para ele, o que mais tira a nossa paz e gasta a nossa energia é a incerteza, um futuro imprevisível, no qual nosso cérebro fica buscando resposta, esgotando muita energia com isso. E com a pandemia houve uma peculiaridade na qual todos foram afetados da mesma forma, simultaneamente, independente do segmento da empresa ou cargos. Todos olharam para todos os lados e não viam saída. “Sem contar que muita gente perdeu entes queridos, amigos”.

Aylmer ressalta que, embora a pandemia esteja caminhando para o fim, os danos mentais ainda permanecerão por um bom tempo. Ele destaca, por exemplo, que o número de pessoas afetadas em sua saúde mental tende a ser maior do que aquelas afetadas pelo Covid-19. E lembra que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é duas vezes maior o índice de depressão e ansiedade entre crianças e adolescentes.

“De acordo com a Unesco, 9 a cada 10 estudantes foram afetados profundamente na sua capacidade futura de aprendizado. No caso deles o interesse foi quebrado. Perdeu-se o foco”, diz o especialista, complementando que no mercado de trabalho os mais jovens também foram os mais afetados nesse momento, citando levantamento do ADP Research Institute que revelou que 78% da geração Z está sofrendo alto índice de angústia.

O professor cita ainda a própria Síndrome de Burnout, que no início deste ano foi classificada pela OMS como doença ocupacional, ou seja, causada pelo ambiente do trabalho. Isso pode estar ligado a outro dado, este do Ministério do Trabalho, apontando que as empresas obtiveram um aumento de 18% em acidentes no ambiente profissional. “O cérebro com tantos alarmes e tensões perde concentração, atenção. Aí vem o acidente”.

Contudo, Aylmer anuncia a boa notícia. A saúde mental está entrando na pauta dos investidores que estão analisando o quanto as empresas cuidam de saúde mental para avaliar se vão investir ou não nelas. “Dentro da sigla ESG, que fala em meio ambiente, sustentabilidade e governança, hoje, sustentabilidade também está ligada ao indivíduo, uma preocupação que já é obrigatória. E isso é bom, pois na linha do tempo a saúde mental vai ser um diferencial nas organizações. Já está sendo”, conclui.

(*) – É médico psiquiatra, PhD e professor.