Executivos e recrutadores dizem que salários chegaram a aumentar 50% com a pandemia; Trabalho remoto fez brasileiro se internacionalizar e ganhar em dólar mesmo sem sair de casa
Já é possível afirmar que o Brasil ruma para ser um dos maiores fornecedores de mão de obra para a área de Tecnologia da Informação no mundo, seguindo os passos da Índia, China e Paquistão. A percepção de diferentes executivos de empresas brasileiras põe em xeque a já escassa oferta desse tipo de profissional localmente, convidando as áreas de Gestão de Pessoas e TI para uma profunda reflexão.
Enquanto mais de 14 milhões de brasileiros estão desempregados, as vagas para profissionais de todos os níveis de experiência em tecnologia não têm perspectivas de serem supridas nem no médio prazo. Uma pesquisa da Brasscom, associação das empresas do setor, aponta que até 2024 faltarão 260 mil pessoas com perfil tecnológico no mercado de trabalho nacional.
E esse cenário pode piorar, já que é consenso entre CEOs, CTOs e recrutadores que a pandemia causou efeitos importantes nesse mercado. “Negócios do mundo todo avançaram para a digitalização, ocasionando em uma demanda desenfreada por esse tipo de profissional. Como complemento, para nós brasileiros, o trabalho remoto abriu as portas para a internacionalização. Por isso é o momento de abrirmos a cabeça para resolver esse problema sistêmico”, contextualiza Ricardo Morale, CTO da logtech Freto, que possui 150 colaboradores.
André Aziz, CTO do Zro Bank, banco digital que permite às pessoas manterem saldo e movimentarem valores em reais e bitcoin, endossa o discurso de Morale. “De outubro de 2020 a março deste ano notamos um aumento de 50% no salário médio do profissional de TI. Vagas para programadores iniciantes chegam a ser anunciadas a 5 mil dólares nos Estados Unidos e 3 mil euros em Portugal, por exemplo. Desse jeito a competição é impossível”, aponta o executivo. Entre os impactos, segundo ambos, estão a “juniorização” de posições estratégicas, alto turnover, “pejotização” e baixa produtividade, já que existem casos extremos de profissionais trabalhando para duas empresas ao mesmo tempo – por vezes sem que isso esteja acordado no vínculo de prestação de serviços.
Busca por soluções e iniciativas de formação de profissionais
No Freto, desde 2019, ano de fundação da startup, optou-se por um modelo híbrido de composição da equipe: além dos profissionais diretos, a empresa conta com os serviços de uma fábrica de softwares (que recebe todas as coordenadas do executivo a respeito da metodologia de programação e jeito de trabalhar, deslocando somente profissionais seniores para as tarefas) e desenvolvedores “de aluguel”, contratados de terceirizadas.
“A senioridade é importante, porque garantimos que os melhores profissionais estejam conosco. Desta forma também consigo focar no aprimoramento e ganho de escala da nossa plataforma”, justifica, dizendo que seus custos aumentaram mais de 30% no último ano.
Para os funcionários diretos, a Head de People da logtech também ressalta que mantém uma rotatividade baixa em desligamentos voluntários, o que reflete em um NPS acima de 8,5. “De fato colocamos as pessoas no centro de tudo. Aplicamos a simplicidade e receptividade gerando impacto e fazendo com que os Freteiros se sintam cuidados e acompanhados, o que resulta na continuidade da jornada com um excelente clima de trabalho”, diz a executiva.
Já o Zro Bank, que tem 8 profissionais de TI no quadro de colaboradores e planeja contratar pelo menos mais 20, vem estudando soluções internas e prepara para os próximos meses investimentos em parceria com o Porto Digital e a Prefeitura de Recife, onde a startup mantém sua sede. “O problema da terceirização é que o conhecimento vai ficando com as prestadoras de serviço. Por isso, estamos planejando iniciar, em breve, movimentos importantes para atrair e reter esses talentos. Eles não querem apenas benefícios e salários”, comenta André Aziz, que também recorre a três terceirizadas. Entre os trunfos do banco estão a escassez de oportunidades para programadores que queiram explorar a área de blockchain e criptoativos no Brasil e o recrutamento interno, ou seja, identificar dentro de casa colaboradores que tenham o perfil da área. Para 2022, há perspectivas da implementação de um programa de stock options pensado especialmente para mitigar o turnover em TI.
O brasileiro Luiz Neto, CEO e fundador da Innovation Intelligence, maior plataforma digital de inovação aberta do mundo, sediada no Vale do Silício, aponta um obstáculo que brasileiros vem enfrentando ao se internacionalizar. “A língua ainda é um problema. Mesmo que a competição com empresas estrangeiras seja difícil para as startups brasileiras, não vejo um êxodo tão grande no momento porque é preciso dominar o idioma da empresa contratante. O que eu não gostaria de ver no Brasil seria uma nova onda de colonização, porém desta vez focada na programação, onde empresas internacionais contratam brasileiro para mão de obra barata. Países como a Índia têm grande parte da população de desenvolvedores fluente em inglês, com acesso às maiores bibliotecas e conteúdos para inteligência artificial e data science. Com esse preparo, os indianos são capazes de tocar grandes projetos e boas negociações com empresas internacionais”, opina.
Outra empresa que, sentindo na pele a escassez de desenvolvedores, lançou seu programa de educação para profissionais da área de tecnologia é a b8one. Com uma equipe de mais de 80 pessoas, a startup desenvolve soluções de softwares e gerencia operações de comércio eletrônico para grandes companhias como Ambev, Brastemp, Cielo e Colgate. “O b8ne.academy quer revolucionar o ensino de tecnologia para jovens/pessoas em estágio inicial da carreira. De forma gratuita e online, ensinaremos na prática e com a mentoria qualificada de profissionais que atuam no dia a dia da área”, conta Hugo Alvarenga, sócio e fundador da b8one.