Kris Lee (*)
Assuntos relacionados à imigração, via de regra, são repletos de polêmicas e dúvidas, devido a vídeos, redes sociais, grupos de WhatsApp e profissionais sem qualificação que se aproveitam do sonho e da ansiedade das pessoas. Esse movimento tem crescido ainda mais.
Como se já não bastasse esse cenário já tradicional que os especialistas em Direito Internacional lidam diariamente, agora temos mais um agravante que são pessoas se aproveitando da suposta “anistia” amplamente veiculada pelo governo Biden, para vender certas facilidades que não existem, porque isso está longe de ser algo verídico.
A lei de anistia, vamos chamar dessa forma mais simples, não se refere apenas à concessão de um benefício. Significa que pode ser sancionada uma lei que vai criar diversas outras regulamentações, que vão gerar direitos, bem como obrigações e, além disso, há diversas etapas que seguirão determinados protocolos que envolvem questões constitucionais e orçamentárias. Soma-se a esse isso um considerável custo. Está longe de ser algo “daqui em diante será assim” e automaticamente beneficiar milhões que estão à espera de um sonho. É preciso pôr os pés no chão.
Outro mito que circula muito entre as pessoas que estão de forma ilegal é que os imigrantes geram muita riqueza, todos pagam impostos. Não é bem assim, existem diversos estudos que mostram que só 35% do total de não documentados pagam efetivamente os seus tributos. Então quer dizer que 65% não contribuem com o país, pelo contrário, utilizam benefícios que são custeados por outros.
Essas informações desencontradas geram ainda mais confusão e alimentam falsas expectativas, o que é um prato cheio para os oportunistas que aproveitam para vender facilidades. Alguns cobram para colocar pessoas na lista de espera para aplicação do processo de anistia.
. Entenda como tudo começou – Em setembro de 2021, os democratas enviaram para o Congresso um pacote de reformas que previa a concessão de Green Cards para milhões de pessoas, o que foi rejeitado por diversas razões e eu vou focar algumas delas. Nesse caso, é importante lembrar que muitos na época estavam bombardeando a parlamentar Elizabeth MacDonough, uma funcionária de carreira que anteriormente atuou como assistente de referência na Biblioteca do Senado.
Ela estudou na George Washington University, onde se formou em Literatura Inglesa, e mais tarde cursou a Vermont Law School, de acordo com seu perfil no LinkedIn. Ela serviu por um breve período como advogada distrital assistente do Departamento de Justiça dos EUA antes de assumir o cargo de deputada assistente sênior em 1999. Foi um cargo que ocupou por 13 anos, antes de assumir seu papel atual como parlamentar do Senado em 2012. MacDonough tem sido, em grande parte, considerada uma presença constante e moderada no Senado.
Ela fez a devida análise, como obviamente foi remitida a ela como parlamentar, para uma possibilidade de validade ou invalidade e ela negou. Hoje, ela está aposentada, mas dedicou a vida inteira defendendo imigrantes, existem inúmeros pareceres dela própria em favor dessas pessoas que, inclusive, foram julgados pela Corte, e mantidas as decisões.
Depois dessa negativa, os democratas apresentaram uma nova proposta que também foi rejeitada, porque implicaria em uma mudança na lei e não deveria ser processada daquela forma. Algumas etapas precisam ter a formalidade necessária para que haja uma aprovação e, consequentemente, uma validade, caso contrário pode ser derrubada depois por uma votação seguinte no Congresso ou numa legislatura futura, e isso também foi uma das preocupações da própria Elizabeth.
Os democratas estão agora tentando um plano C, para que ele seja analisado e eventualmente aprovado e existe uma pequena chance de agora dar certo, porque a proposta daria benefício para aqueles que chegaram antes de 1º de janeiro de 2021 e não estão em status legal dentro dos Estados Unidos. Ocorre que nesse caso se fala apenas da concessão de um parole e que não deve ser confundido com o advanced parole concedido no conhecido combo card.
Este protegeria o imigrante que estivesse em situação de ser deportado e concederia uma autorização temporária de permanência e trabalho. Por que temporária? Porque o parole é temporário e não definitivo. Este recurso não tem consentimento indeterminado, pelo contrário, ele é por um tempo determinado, extraordinário e deve obedecer a um período específico.
A modalidade não dá direito à residência permanente e muito menos à cidadania, mas concederia um alívio momentâneo para aqueles que buscam, de alguma forma, se regularizar dentro dos Estados Unidos sem o risco de ser deportado e, nesse caso, poderia beneficiar mais de 7 milhões de pessoas.
. Na verdade, esse número é bem maior – Por esse motivo, o Congresso criou a figura jurídica em 1952 para permitir que o governo mantivesse dentro dos Estados Unidos pessoas em situações específicas e de interesse público. Então, por isso, não é algo que foi criado agora, que se trata de uma “proposta nova”. É simplesmente a utilização de uma figura jurídica que já foi implementada, votada, que existe para a concessão de um benefício temporário para quem deseja se regularizar.
Essas pessoas podem ter acesso a uma autorização para trabalhar legalmente, recolher imposto, passarão a ter um status dentro dos Estados Unidos e deixam de ser indocumentadas, podendo ter direito a um plano de saúde, social security e diversos direitos, além da proteção para não ser deportadas.
Nas duas propostas anteriores foram colocadas algumas questões, principalmente por MacDonough, que são os principais pontos e resultaram na negativa. Nesse caso, com a suposta aprovação, estariam superados. A primeira é que a proposta criaria uma regulamentação para o estabelecimento de uma nova forma de status, ou seja, isso só poderia ser criado com a aprovação de uma nova lei que deveria ser obviamente votada, implementada, colocada para votação e sancionada, e não simplesmente por meio de uma proposta, de uma medida.
A iniciativa também criaria um caminho para a cidadania e isso acarretaria diversas mudanças e definição de regras e benefícios para o aplicante, o que também não poderia ser feito desta forma, porque traria diversas questões atreladas a benefícios, obrigações e deveres que seriam destinadas ao aplicante. Então, não poderia ser feito nesse formato em que foi aplicado. E terceiro, que também é importante, que a parlamentar ressaltou.
O Congresso, diante de uma votação futura, poderia revogar todos esses benefícios e obviamente colocar essas pessoas novamente num limbo, resultando em batalhas jurídicas de diversas questões poderiam acarretar problemas ainda maiores para dentro dos Estados Unidos e para essas próprias pessoas.
Então, por essas três principais razões, acho que essa proposta do jeito que foi apresentada não seria aprovada. E a aprovação do parole, da forma como ocorreu, será colocada nesse novo formato, de modo que a aprovação desse parâmetro fugiria dessas três principais preocupações, que obviamente são importantes e por isso, eu concordo com ela nesse sentido.
O parole traria alívio temporário e obviamente permitiria que essas pessoas tivessem uma garantia de não deportação até que se pudesse efetivamente criar uma legislação, trabalhar tanto democratas como republicanos para que pudessem juntos chegar a uma conclusão de que realmente isso pode ser interessante para o país ou não.
Lembre-se que isso foi uma promessa de campanha do presidente Biden e da vice-presidente Kamala Harris, e que obviamente até agora não foi implementado. Eles tinham prometido resolver isso em até cem dias, então eles estão criando situações, deixando para que haja negativas e eles digam, “olha, nós estamos tentando, estamos fazendo e podem continuar votando na gente, porque a gente está lutando por vocês”, quando na verdade, vemos que poderia ter sido feito de outra maneira e que poderia ter trazido outro tipo de benefício de uma forma muito mais efetiva.
Vamos torcer para que isso realmente aconteça, que as pessoas consigam ter algum tipo de alívio e possam efetivamente pagar os impostos, sonhar com um novo caminho devidamente regularizadas, estabilizadas e com as suas famílias.
(*) – É advogada americana, sócia-gerente da LeeToledo PLLC licenciada nos Estados Unidos, no Distrito de Columbia e no Estado de New York. Com mais de 30 anos de prática do direito, se especializou em aconselhar e representar peticionários perante o USCIS e tratar de questões jurídicas de clientes (https://leetoledolaw.com/).