Os impactos e transformações provocados pela pandemia vão muito além das mudanças nas relações, nos formatos de trabalho e no impulso das inovações nas organizações.
Paulo Castello (*)
Nessa década as grandes corporações vão precisar reinventar suas empresas, cultura e modelos de negócio e dinâmica de trabalho, ou, não serão mais competitivas. O ano de 2020 forçou todos a irem para o digital, até a minha avó passou a usar app de banco. Também forçou a maioria das empresas a adotarem uma dinâmica de gestão online. Porém, a transformação digital não tem absolutamente nada a ver com tecnologia, tem a ver com a mentalidade do C-Level (o exemplo vem de cima).
O mundo corporativo foi empurrado pela pandemia a evoluir para o digital, porém, muitas organizações não estavam digitalizadas e acabaram ficando num limbo que elas começaram a chamar carinhosamente de híbrido. Foram para um mundo virtual e tentaram, ou pior, ainda tentam simular o ambiente de trabalho físico.
Pesquisa feita pela Accenture mostrou que, 62% das principais corporações globais já utilizavam alguma ferramenta digital para monitorar o desempenho dos funcionários, e de acordo com levantamento realizado pela Fundação Instituto de Administração (FIA), cerca de 46% das empresas adotaram o trabalho remoto, sendo que 67% disseram ter tido problemas de adaptação ao modelo, na comunicação e comportamento dos funcionários em ambientes virtuais.
Muitas empresas não abraçaram a nova realidade digital, e ainda estão com planos de desenho de uma organização analógica. Estão perdendo tempo, montando planos de retorno dos funcionários, chamando de ambiente híbrido (fica dois dias em casa, três dias no escritório). A triste verdade é que, essas empresas sabem que é muito difícil se digitalizar (pois muito investimento foi feito e ainda está sendo feito num desenho organizacional pré-covid-19) e vai demandar um reinvestimento gigantesco e, o pior, se reinventar como profissional para liderar uma transformação radical da organização.
Então, por ser muito dolorido, estão gastando energia num projeto perdido/falido. E quanto mais tempo gastarem nesse projeto, mais distantes vão ficar das organizações 100% digitais. Todas as startups que disputarão nos próximos anos o mesmo mercado em que você atua, já estão nascendo 100% digitais. E isso que é interessante, a competição será num campo de batalha onde quem domina o digital terá a maior vantagem, sem dúvida.
Devido a pandemia, burocracias, leis e protocolos foram forçados a acompanhar a velocidade da transmissão do vírus. E isso abriu as portas para colocar essa década numa velocidade sobrenatural. Apertem os cintos, pois estamos entrando em velocidade supersônica. A medicina vai dar um salto de décadas nos próximos meses/anos. Absolutamente TUDO está mais rápido e ficará cada vez mais rápido nos próximos meses/anos. No pré-covid-19, um vendedor fazia duas visitas/reuniões a clientes em um dia, no pós-covid-19, o mesmo vendedor faz cinco a seis reuniões com clientes em um dia.
Na era pré-pandemia, um contrato trafegava via e-mail, era impresso, precisava uma ou mais pessoas para coordenar e disponibilizar em uma determinada hora do dia, sincronizados com a logística do motoboy para circular o documento entre as partes para que as assinaturas fossem coletadas, na maioria das vezes tendo que passar por cartório para autenticações da assinatura. Levava, em média, cinco dias para as vias estarem assinadas, autenticadas e distribuídas cada via com sua devida entidade. No pós-pandemia, e antes mesmo disso, o contrato é assinado em minutos digitalmente, de qualquer lugar, via plataforma na nuvem acessada por computador ou celular.
Um case que gostaria de ilustrar é o da Solar Coca-Cola, que aumentou a produtividade do time, após implementação da tecnologia. A fabricante, que está presente em 20 milhões de lares e tem faturamento anual de mais de R$ 6 bilhões, buscava uma solução capaz de melhorar o fluxo de processos e avaliar as rotinas que mais consumiam tempo dos usuários. Nos últimos anos, empresa abraçou uma jornada de transformação digital que envolveu várias mudanças, dentre elas, a redução de tempo em rotinas operacionais, equilibrando a jornada de trabalho dos times. Com mais de 11 mil colaboradores e nove fábricas por todo o Nordeste e no Mato Grosso (MT), a Solar Coca-Cola, é a segunda maior produtora e distribuidora da marca de refrigerante no País.
Ao identificarem atividades exaustivas das equipes com planilhas de Excel, a economia de tempo foi de aproximadamente 110h mensais nas 46 unidades da empresa. O profissional gastava, todo os dias, cerca de 6 minutos só para a tarefa de tratamento dos dados, o que consumia cerca de 40 horas mensais. No início dessa nova jornada digital também, a produção em massa de insights revelou que, nem todas as ideias resultavam em interpretações óbvias e de forma homogênea para os colaboradores. Acompanharam os processos realizados por 300 usuários/colaboradores, garantindo uma variedade significativa de análises.
Outras melhorias notadas: redução de algumas licenças do Sistema de Gestão Integrado (ERP) a partir da identificação de usuários habilitados, treinamento dos operadores da central de atendimento na operação do sistema de maneira padronizada, adotando a sequência mais objetiva, resultando em um menor tempo médio de atendimento aos clientes, melhoria no sistema de pedidos, agrupando informações até então distribuídas em várias telas, entre outras. Esta visão unificada eliminou a necessidade de alternar telas para consulta de dados necessários para a execução do processo. Ainda que cada “clique” evitado pareça uma economia de pequenas frações de tempo, a intensa frequência de execução por um time muito grande resulta em muitas horas a cada mês, e identificaram rotinas com mais de 6.000 execuções mês que, automatizadas, trouxeram bastante celeridade ao processo.
Não adianta você fazer um app em que o cliente abre uma conta no celular, mas leva horas ou dias para receber uma informação. Todas as empresas, no mundo inteiro, estão tentando replicar o modelo de startup, “falhe rápido e aprenda rápido”. E para isso, precisa começar a trabalhar baseado em dados. Com elaboração de hipóteses, testes, análises dos dados e validação (ou nova hipótese). A visão que tenho sobre o futuro da transformação digital nas corporações é que, nesse novo mundo supersônico –e que já estamos experimentando diga-se de passagem-, o cenário em que estamos competindo será e está extremamente rápido devido sua digitalização, em que as decisões estão sendo (e serão) tomadas por algoritmos em milissegundos.
Para não perder o enredo, digam adeus ao velho e arcaico e sejam muito bem-vindos à era de extinção das organizações não digitais.
(*) É fundador e CEO da Fhinck, startup de alta tecnologia que ajuda grandes empresas a terem maior desempenho operacional, eficiência, produtividade e qualidade de vida, a partir da geração de dados inteligentes. É membra do Cubo Itaú, maior centro de empreendedorismo tecnológico da América Latina.