Germano Vasconcelos (*)
Mesmo com todo o avanço tecnológico das últimas décadas, até um tempo atrás o processo de aprovação de uma linha de crédito ainda era bastante analógico. Ok, não era feito à mão. Mas transpor documentos físicos para os meios digitais e salvá-los quase que mecanicamente em um banco de dados, para que posteriormente fossem resgatados na análise que um gerente faria na frente de um computador, não é nem de longe o que o mercado conhece hoje por transformação digital. Isso acontecia enquanto você esperava o veredito do outro lado do balcão.
Basicamente, as únicas fontes de análise de dados disponíveis vinham de um histórico centralizado nos bancos de dados da empresa – um compilado de notas de crédito que traduziam o relacionamento que o cliente possuía com a financeira ou o estabelecimento ao longo dos anos – somadas a fontes externas de cadastro negativo, como os birôs de crédito de antigamente, que pautavam a possibilidade de pagamento das pessoas com base em dívidas do passado.
O método podia não ser dos melhores. Mas nem é este o centro da questão. Em um país em que um terço da população adulta não possui nenhum tipo de relacionamento com instituições financeiras, pois não têm nem conta corrente, segundo dados do Instituto Locomotiva, a falta de informações necessárias para a tomada de decisões torna-se um entrave gigantesco para o aumento da concessão de crédito.
Somente este grupo de pessoas, aliás, movimenta mais de R$ 800 bilhões por ano no Brasil, o que comprova que existe sim a capacidade de pagamento, ainda que não exista meios para comprová-la. A tecnologia, dentro do contexto da verdadeira transformação digital, surge como aliada para ajudar a transpor as barreiras que o mercado coloca ao aumento da oferta – pelo menos no que se refere à assimetria de informações.
Devido à hiper conectividade na qual a sociedade se encontra, tudo o que fazemos hoje vira dado, com potencial de ser transformado em informação. Desde o “like” que você dá em um anúncio de produto que pretende comprar, até o trajeto que realiza todos os dias ao mesmo lugar, no mesmo horário, que indica que você trabalha regularmente em uma empresa. O potencial dos dados é imenso. Claro que nem tudo vira informação e nem tudo é ou pode ser avaliado, por questões de segurança e privacidade, garantidas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Existem regras sobre o que e como as empresas podem utilizar dados obtidos de usuários. Mas se ainda havia dúvidas sobre a necessidade de entender como é possível usar dados para extrair informações no desenvolvimento de políticas, seja de concessão de crédito, ou até públicas, a pandemia da Covid-19 eliminou muitas delas, respeitados os limites já comentados.
Na busca por soluções de combate ao vírus, os especialistas se debruçam sobre as alternativas possíveis, esperando encontrar alguma segurança para optar por ações como a flexibilização ou o endurecimento do isolamento, reinício das aulas e diversas outras medidas. A mesma necessidade de abordar cada situação segundo os tipos de análises de dados mais adequadas é vivida diariamente pelos tomadores de decisão em empresas de todos os segmentos.
Após coletados, organizados, cruzados e corretamente interpretados, os dados se transformam em insights que facilitam e direcionam a solução de problemas, e o entendimento de situações complexas. Na era digital, a análise de dados cresceu em relevância e ganhou status, se transformando numa verdadeira bússola que direciona estratégias de sucesso para as organizações.
Dentro do contexto da LGPD, é fundamental a organização entender o processo de uso dos dados: quais podem ser usados, de onde virão, quais os tipos de análises, que resultados são esperados e como será medido o impacto no negócio. Toda essa engenharia exige ferramentas modernas e poderosas construídas à base de Inteligência Artificial, Big Data e Aprendizagem de Máquina para construir as soluções.
Entre 80% e 90% dos dados disponíveis para análise são do tipo “não estruturado”, ou seja, não possuem um formato pré-definido, como textos de e-mails, trocas de mensagens de celular ou redes sociais, fotos ou vídeos. Por serem dados mais complexos e não catalogados, são mais desafiadores de compreender e utilizar. Ainda assim já são amplamente empregados na tomada de decisão.
Há basicamente quatro tipos de análises de dados que podem auxiliar no processo: descritiva, com números, indicadores, gráficos e estatísticas; diagnóstica, que faz uso de painéis (dashboards) e algumas tecnologias de aprendizado de máquina para descobrir o porquê da ocorrência de uma situação; preditiva, que identifica padrões de comportamento para criar modelos e “antecipar” acontecimentos; e, por último, a prescritiva, que tem o objetivo de recomendar o que a empresa deve fazer diante de possíveis cenários.
Cada uma delas serve um objetivo específico, sempre com o propósito de otimizar ganhos, processos ou solucionar desafios. Longe do cenário traçado pela ficção científica, sintetizada em obras como Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, a Inteligência Artificial é uma grande aliada na solução de problemas reais da sociedade. Otimizar resultados e reduzir perdas através de uma análise de dados correta resulta em ganho de produtividade para toda a economia.
Analisar com mais acurácia dados disponíveis em novas e mais variadas fontes ajuda na concessão de crédito, com mais qualidade, atingindo mais pessoas e impulsionando consumo e capital produtivo. Compreender com mais precisão os impactos da Covid-19 salva vidas.
As aplicações da Inteligência Artificial são inúmeras e os benefícios que a tecnologia proporciona precisam ser bem aproveitados nos mais diversos segmentos e âmbitos sociais – e nem é necessário ser um expert em análise preditiva para reconhecer a importância de colocar os dados no centro dos processos de decisão.
(*) – É PhD em Inteligência Artificial e sócio-fundador da Neurotech.