Kelly Nakaura (*)
Como executiva de marketing que migrou do setor automotivo para o agronegócio há alguns anos, constatei com grata surpresa o quanto o agro é tecnológico. Constatei também o quanto a percepção do público em geral diverge em muito da realidade já presente no agronegócio. Vários recursos tecnológicos de ponta estão no campo há muito mais tempo do que a grande maioria da população urbana sequer imagina.
Começo citando algo mais próximo da realidade das pessoas em geral. Em 2015, muito se falou sobre o projeto do carro autônomo do Google quando divulgaram o teste por vias públicas no estado do Texas, com um passageiro e sem nenhum motorista. Depois ouvimos sobre outros projetos de carro autônomo, como o da Apple e o da Tesla. Em 2017, após a exposição de um protótipo de trator autônomo na Agrishow, uma das maiores feiras agrícolas no mundo, a mídia do setor agro noticiou o tema com algum destaque.
Em 2020, na Agritechnica, maior feira de tecnologia agrícola da Alemanha, foram apresentados o trator autônomo elétrico e o pulverizador autônomo pela marca John Deere. O que poucos sabem é que, desde 2002, a John Deere já estava envolvida na tecnologia da direção autônoma. Prova deste pioneirismo é que um dos protótipos de trator autônomo desta jornada de desenvolvimento está atualmente exposto num museu da marca, localizado na cidade de Moline, nos Estados Unidos.
Muito antes de conceitos como IA (inteligência artificial), IoT (internet das coisas), machine learning (máquinas com capacidade de aprendizagem) se tornarem tão populares, a indústria do agro já colocava no campo produtos e soluções com estas tecnologias embarcadas. Se visitarmos as lavouras no Brasil, seja no período de plantio, pulverização ou colheita, facilmente encontraremos muitos destes equipamentos guiados por GPS e com sistema de direção autônoma, enquanto o operador da cabine estará com as mãos livres, podendo operar outras tarefas.
Este mesmo operador, enquanto a máquina planta, pulveriza ou colhe, pode receber comandos automáticos a partir da interpretação de dados combinados com uma central de inteligência artificial, que recomenda ajustes da máquina à distância para correção ou aperfeiçoamento da tarefa que ele está executando naquele momento.
Ainda mais surpreendente é saber que este operador também pode receber alertas de um Centro de Suporte às Operações, onde a máquina que ele opera está sendo acompanhada por parceiros autorizados (concessionários, agrônomos), que juntamente com aquela mesma central de inteligência artificial de dados podem prever possíveis falhas antes mesmo que elas aconteçam. Esta central se comunica com o operador, enquanto ele trabalha. E tudo isso à distância.
Esta precisão chega ao nível de cada semente, de cada gota, de cada grão para que além de ter o melhor rendimento a produção cresça sem a expansão de área, com a redução de aplicação de insumos e menor uso dos recursos naturais. É a tecnologia e a ciência ajudando a produzir mais e de forma cada vez mais sustentável.
Assim, o conceito de “autônomo” passa a ser aplicado não somente à mobilidade sem interação humana, mas sobretudo à capacidade de o robô ou a máquina aprender pela repetição, pela interpretação de dados e algoritmos, e de até mesmo ensinar a outra máquina ou os humanos. O que isto significa no final do dia? Menos insumos aplicados, mais rendimento de cada semente, melhor qualidade de cada grão. O que se reverte em aumento significativo da produtividade, da rentabilidade e da sustentabilidade no agronegócio.
Tendemos a associar a tecnologia de ponta aos setores de tecnologia da informação, desenvolvedoras de software e plataformas ou redes de comunicação social. A percepção da grande maioria da população é de que tudo isso poderia ser ficção científica, papo de “geek”, do pessoal de tecnologia que em geral vive nos grandes centros urbanos e na indústria tech.
No entanto, à medida que a conectividade e a internet das coisas interligam máquina com máquina também lá no campo, à medida que as plataformas de comunicação e conteúdo conectam as pessoas e que estas mesmas pessoas vão convivendo com os computadores, sensores, atuadores e softwares, cada vez mais a robotização e a automatização vão se tornando parte natural da vida, inclusive nas áreas rurais.
Se por um lado o produtor rural está progressivamente absorvendo a tecnologia em sua vida cotidiana, por outro, à medida que as empresas de distintos setores, indústrias e segmentos se aproximam, se integram ou se fundem, a área de convergência se torna cada vez mais ampla, resultando num “mainstream” da vocação tecnológica. Outro fator fundamental e viabilizador da aplicação da tecnologia no campo é a expansão da cobertura de conectividade no campo.
A 7° Pesquisa Hábitos do Produtor Rural, realizada em 2017 pela ABMRA (Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio), mostra que o campo já estava conectado, usando cada vez mais a internet para se atualizar, buscar informações sobre mercados e insumos. O levantamento indicou que naquele momento 42% dos produtores rurais já utilizavam a internet regularmente – aumento de 7,7% em relação à pesquisa de 2013.
O estudo também identificou outro avanço importante no campo: o do uso de smartphones. Em 2013, 17% dos produtores consultados tinham celular com acesso à internet. Em 2107, a porcentagem subiu para 61%. No que diz respeito a redes sociais e ferramentas de comunicação, o Whatsapp lidera a preferência dos produtores conectados, com 96%. Em seguida, vêm Facebook (67%), Youtube (24%), Messenger (20%), Instagram (8%) e Skype (5%).
Finalizo com a constatação de que, neste período de pandemia, a tecnologia e a digitalização tiveram sua absorção ainda mais acelerada. Os serviços de suporte remoto foram fundamentais para a continuidade das operações nas lavouras com a devida segurança sanitária. Temos dados de empresas do setor agro que fizeram quase 80% dos seus atendimentos via Centros de Suporte às Operações durante este período.
Todos fomos ainda mais expostos às experiências virtuais.
Todos nós intensificamos nossas compras via internet, nos comunicamos mais do que nunca via WhatsApp e construímos ou alimentamos relacionamentos via redes sociais e outras plataformas de comunicação digital. E o profissional do agronegócio seguiu em frente, sem parar, se adaptando e se reinventando, porque sabe que tem a essencial missão de contribuir para alimentar o mundo.
(*) – É Diretora de Tecnologia & Inovação da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) e Executiva Marketing John Deere.