Fernando Gambôa (*) e Cristiano Rios (**)
Nos primeiros dias da pandemia da COVID-19, a grande preocupação dos empresários era que os bloqueios na China pudessem causar impactos de curto prazo nas cadeias de suprimentos, tanto em termos de componentes para o setor de manufatura, como de produtos acabados para comercialização no varejo tradicional. Agora, essa parece ser uma das menores preocupações do mundo.
Inicialmente, à medida que cada país entrava em confinamento, a população da região começava a levar o isolamento social a sério e consequentemente, as cadeias de suprimentos globais passaram a enfrentar postergações e cancelamento de pedidos, além de dificuldades para embarcar produtos devido ao fechamento das fronteiras. Por isso, os varejistas e empresas de bens de consumo foram forçados a se adaptar a uma nova realidade.
Quando o vírus começou a se disseminar para novas localidades, os consumidores começaram a comprar produtos essenciais e de higiene em grandes quantidades para estocar em casa, movidos pelo pânico de um possível desabastecimento no curtíssimo prazo. Repentinamente, os varejistas de alimentos viram as prateleiras esvaziarem e uma significativa migração rumo ao comércio online, que não conseguiu entregar os produtos comprados com a rapidez necessária para atender esta nova demanda.
O estoque de determinados itens – principalmente, alimentos, mas também os produtos essenciais para o isolamento, como papel higiênico, ração para animais de estimação e materiais de limpeza – desapareceu de um dia para o outro. No outro extremo do consumo, os varejistas de produtos não essenciais enfrentaram uma situação de demanda muito diferente. Conforme as lojas fechavam devido as medidas restritivas, o tráfego de pessoas pelas ruas diminuía e os consumidores reduziam o consumo, fazendo com que a demanda caísse drasticamente.
Mesmo aqueles clientes que já utilizam comércio online repentinamente, perceberam que os produtos estavam sendo retidos, uma vez que as plataformas corretamente priorizavam as entregas essenciais. Mais recentemente, as implicações da oferta de produtos ao longo prazo também começaram a surgir. As paralisações globais fizeram com que muitos fabricantes e fornecedores interrompessem ou redirecionassem, temporariamente, a produção usual para fornecer itens essenciais e necessários à população. Nos casos em que os chãos de fábrica ainda estão em operação, os estoques de insumos críticos e matérias-primas estão acabando.
As fábricas que estavam operando com níveis de estoques reduzidos já estão sentindo o impacto. A logística e o transporte também estão sendo cada vez mais afetados. Além das fronteiras entre várias cidades e países terem sido fechadas, a liberdade de circulação interna foi reduzida em muitas localidades. Antes da crise, parte do frete marítimo era transportado em voos comerciais de passageiros e essas rotas praticamente desapareceram agora. Como consequência, os custos de frete intercontinentais mais que dobraram desde o início da crise.
Isso tudo criou uma situação ímpar para varejistas e empresas de bens de consumo. Alguns conseguiram manter as empresas que faziam o abastecimento com o objetivo de melhorar a eficiência, concentrando-se, por exemplo, em uma única unidade de manutenção de estoque para gerar volumes maiores em produtos de alto giro, como o pão. Já outros passaram as últimas semanas concentrando-se em garantir rotas e fornecedores alternativos, visando atingir as metas existentes.
Mundialmente, os líderes das cadeias de suprimentos estão reavaliando essas novas realidades e tentando prever o que o futuro pode trazer. Perguntas difíceis estão sendo feitas, tais como: Temos conhecimento suficiente dos níveis inferiores da cadeia de suprimentos para avaliar o impacto global adequadamente? Conhecemos as rotas de fornecimento e exploramos alternativas? Reavaliamos as posições de estoques? Temos uma visão dos pedidos que serão potencialmente afetados? Diante dessa análise, muitos líderes de varejo e bens de consumo não estão satisfeitos com as respostas que estão recebendo.
Enquanto o mundo procura soluções para os riscos à saúde dessa pandemia, está claro que levará algum tempo para que as cadeias de suprimentos retornem a algo semelhante ao que costumamos chamar de normal. Por isso, varejistas e empresas de bens de consumo devem começar a pensar além da fase inicial de mitigação e resposta, visando criar resiliência na cadeia de suprimentos no médio e longo prazo. Temos visto que as principais organizações deste setor já estão começando a fazer exatamente isso.
No decorrer dos próximos meses, líderes das cadeias de suprimentos de empresas de varejo e bens de consumo precisam trabalhar para melhorar a eficiência e a segurança da oferta e, ao mesmo tempo, encontrar novos fornecedores e rotas que permitam à organização buscar uma diversificação em momentos de crise. As empresas que conseguirem estabilizar essas cadeias de suprimentos e se posicionar para avaliar interrupções futuras, fornecendo respostas estruturadas para riscos e pontos de exposição, estarão em melhores condições de enfrentar o cenário atual.
Como resultado, todos os recursos de mitigação e resiliência das organizações serão fortalecidos – dos processos de governança à tecnologia e infraestrutura operacional. Já as organizações que gerenciam problemas de cadeia de suprimentos e de demanda reativamente irão enfrentar problemas no curto prazo.
Nesse ambiente atípico e de crise, serão as empresas com as cadeias de suprimentos mais ágeis, eficientes e resilientes que irão superar a crise com sucesso e estarão em posição de vantagem mercado.
(*) – É sócio-líder de consumo e varejo da KPMG no Brasil e na América do Sul. (**) – É sócio-líder de bens de consumo e cadeias de suprimentos da KPMG no Brasil.