Sérgio Mauro (*)
Uma data a ser rememorada ou festejada nos anos que se seguirão ao fim da epidemia.
Em um mundo pós-pandemia ideal a solidariedade perdida seria reencontrada, mas no provável cenário após o “apocalipse” da pandemia os seres humanos, sujeitos a pressões ainda maiores de recuperação do emprego e do equilíbrio psíquico perdido, continuarão o seu struggle for life (luta pela vida) e não terão nem tempo nem vontade de exercer atos solidários.
Num mundo ideal a doença teria nos ensinado a lidar melhor com as forças naturais e a exercer a melhor prática de medicina, isto é, a da adoção de medidas precaucionais constantes e rigorosas, observando sempre o princípio de que é melhor precaver antes do que remediar depois.
No mundo que teremos após o fim das várias quarentenas ou lockdowns, facilmente as pessoas se esquecerão de que é preciso lavar as mãos constantemente e de que não se deve espirrar ou tossir no rosto dos outros. Os que esperam com otimismo uma sociedade renovada depois do fim deste pesadelo talvez até experimentem momentos de alegria quando, receosas, as pessoas frequentarem restaurantes, cinemas, teatros e outros espaços públicos com parcimônia, desconfiando da saúde dos outros frequentadores.
No entanto, o tempo mostrará que as doses necessárias de elementos lúdicos ou com caráter de distração e de entretenimento sepultarão paulatinamente as precauções e as suspeitas em geral, tudo retomando o ritmo de sempre.
As necessidades da própria economia de mercado vão provocar até mesmo uma retomada veloz das atividades, do futebol à produção de sabonetes, dos remédios aos espetáculos musicais. O que terá mais peso na balança: o medo de voltar a um lockdown permanente ou a necessidade de criar empregos?
Para a opinião pública quem parecerá mais autorizado a emitir opiniões e ditar conselhos ou ordens: o infectologista ou o Presidente? Aos milhões de jovens que já morreram em guerras ao longo da história da humanidade dedicamos sempre monumentos e homenagens em determinados dias do ano; o mesmo será feito, infelizmente, com relação às milhares de vítimas desta que não foi, nem será, a última epidemia.
Tudo cairá no esquecimento total ou se tornará apenas uma data a ser rememorada ou festejada nos anos que se seguirão ao fim da epidemia? Assim como as ruínas do que restou de Auschwitz nos recordam frequentemente a monstruosidade do que ali foi praticado, mas não eliminaram nem eliminam definitivamente o antissemitismo e os preconceitos e racismos em geral.
Assim também as vítimas desta pandemia e os milhares ou milhões de empregos perdidos com o lockdown não serão capazes de nos ensinar um novo estilo de vida, mais voltado para a preservação de vida do que para a preservação das contas bancárias.
(*) – É professor aposentado da Universidade Estadual Paulista (UNESP).