André Coutinho (*)
Estamos acompanhando atentamente os desafios das empresas, nos diversos setores da economia, e assumimos o compromisso com clientes e mercado de gerarmos conteúdos relevantes para este momento ímpar. A atual crise pandêmica trouxe desafios complexos e que exigiram reações imediatas dos executivos. Quem trabalha com gestão sabe bem que a combinação de tomada de decisão rápida para temas relevantes e sob pressão não é um desafio simples. Mais ainda no contexto atual, com a saúde das pessoas sendo diretamente impactadas.
Depois de anos de recessão tínhamos uma boa impressão de retomada da economia, com aprovação de reformas importantes, melhores indicadores e uma agenda positiva despontando, ainda que sempre importunada pelas constantes crises políticas. Com isto, um otimismo moderado passou a vigorar, com empresas reativando planos de expansão, estudando novas fontes de financiamento e contratando profissionais. Parece distante, mas o último trimestre de 2019 indicou um crescimento do PIB de 0,5%, fechando com 1,2% em 2019, invejável se considerarmos o cenário atual.
A sensação hoje é a de que a aposta no crescimento pressionou ainda mais a sustentabilidade dos negócios. Mas não devemos nos penalizar por isto. Não se tinha conhecimento e nem ideia do potencial da Covid-19, logo era o certo a se fazer. O cenário mudou e colocou à prova algo que as empresas já têm percebido ser absolutamente indispensável na gestão moderna: a resiliência. A capacidade de adaptação, ágil e decisiva, aliada ao momento de transformação digital, traz uma nova realidade para as empresas.
É a gestão em tempos de incerteza. É imperativo considerar esta nova realidade nos seus planos de retomada. Aliás, se a sua empresa ainda não iniciou este plano, lamento dizer que está atrasada. Uma das lições que aprendemos com outros países que foram impactados primeiro com a Covid-19, notadamente a China, é que realmente será algo tão ou mais desafiador que a gestão da crise em si. Como analogia, não é apenas religar as máquinas e tudo volta como era antes.
Desafios de caixa, fornecimento, contratos, gestão de pessoas e tecnologia encabeçam uma longa lista de assuntos primordiais a serem tratados neste planejamento. Para piorar, tudo isto em meio a uma crise, relevante por si só, mas que vem acompanhada de outras, tornando essa gestão uma atividade ainda mais complexa. É muito provável que será determinante para a sua empresa se e como a retomada vai ocorrer, a sua velocidade, e se isto representará uma variação positiva ou negativa no market share.
Mas a nova realidade citada anteriormente tem conceitos muito interessantes e aprofundá-los vai apoiar decisões no presente e no futuro. E, muito importante, identificar oportunidades. Parece evidente que todos nós teremos que nos adaptar a um novo mundo e, neste sentido, alguns aspectos chamam bastante a atenção:
- Modelos de gestão, mesmo os mais resilientes, estão sob estresse e devem permanecer assim por um bom tempo, com temas como transformação digital, modelos e parceiros de fornecimento (não só por just in time) e expressivo foco no core business para manter a relevância.
- Surgimento (ou reforço para os early adopters) de um uso muito mais colaborativo da tecnologia carrega preocupações justificáveis de várias espécies, desde a proteção de dados até temas mais operacionais, como capacidade da banda. Será um grande desafio saber quais investimentos priorizar em um cenário de transformação e capital limitado
- Mudança em hábitos de consumo, com adoção acelerada do comércio “sem contato físico”, afetará muitos setores, inclusive e satisfatoriamente a gestão pública, com o potencial crescimento de serviços públicos digitais.
- Meio ambiente e sustentabilidade serão temas abordados no curto prazo, mas com uma visão de longo prazo. O crescimento das energias renováveis parece não sair da pauta, mas, para agora, o debate parece ser mais sobre temas como viagens corporativas que foram quase integralmente canceladas nas últimas semanas. Provavelmente não vão deixar de existir, mas serão em menor número e escolhidas com maior zelo.
- Medidas governamentais de estímulo à economia têm surgido e devem continuar como forma de combate à recessão, mas deverá ser incorporado ao cenário o debate sobre ajuste fiscal e ativos insolventes, o que também pode ser uma oportunidade.
- Transações oportunísticas sendo avaliadas por Private Equity e empresas com capacidade financeira, especialmente para ativos em setores que claramente precisam de funding para sustentar a retomada.
As empresas passaram por um momento de reação à crise, buscaram se adaptar o mais rapidamente possível, treinaram resiliência durante uma crise sem precedentes e agora serão chamadas a mais um desafio hercúleo: planejar uma retomada em um cenário em transformação. Esta nova realidade vai transformar você, o mercado, os seus clientes e os seus parceiros de negócios. E não há porque acreditar que não vai transformar o seu negócio.
(*) – André Coutinho é sócio-líder de Clientes e Mercados da KPMG no Brasil e na América do Sul.