Heródoto Barbeiro (*)
O vice presidente é visto como uma ameaça constante. A qualquer momento pode reunir forças e tentar ocupar o lugar do titular.
Está escrito na constituição que na falta do presidente ele assume até o final do mandato. No passado era um pouco diferente, na república velha só governaria até o fim se fosse empossado depois de dois anos do mandato do titular. Se a sucessão ocorrese antes teria que convocar novas eleições. Mas há exceções. No primeiro governo republicano, Deodoro derrubado por um golpe de estado, o vice, Floriano Peixoto ignorou a lei e governou até o final do mandato do titular e não convocou eleições.
Contudo na nova república brasileira o vice não precisa de preocupar com isso. Toma posse mansa e pacífica e governa. Depois, obviamente, tenta uma reeleição graças ao poder da máquina estatal e a caneta azul que assina emendas parlamentares e populdos contratos com as empreiteiras de boca aberta, famintas. O que se espera é uma convivência civilizada pelos dois.
O antagonismo do vice com o titular, é de ordem ideológica. Um é ligado aos movimentos de esquerda, aos sindicatos, aos partidos radicais e intelectuais engajados. Defende uma forte participação do Estado na economia, com o controle dos preços de produtos básicos, como gasolina e diesel, a nacionalização via expropriação, de empresas estrangeiras em setores considerados estratégicos como comunicação, enérgia elétrica e petróleo.
É dado a grandes comícios com anúncios de disposição de dividir terras, fazer reforma agrária e taxar a burguesia nacional. Pelo menos fica claro para o eleitor o programa de governo e visão do mundo que tem o político e ninguém pode dizer que foi enganado ou que sofreu um estelionato eleitoral. É verdade que não se chega a uma pregação revolucionária para substituir o capitalismo por um modelo socialista, nem incentivar uma luta de classes, conforme os modelos tradicionais da linha marxista-leninista.
Mas é evidente que há um racha entre as duas maiores magistraturas do país. Ainda que se espere que o vice não abra a boca, nos bastidores faz críticas ao governo do qual faz parte e tenta sabotar o programa em vigor. Não perde um encontro com jornalistas. O outro por sua vez é a voz do conservadorismo. Insiste na liturgia do cargo e se porta, pelo menos aparentemente, segundo a liturgia do cargo.
As divergências acentuam-se com a escolha dos ministros militares e uma opção econômica digna de apoio por parte do Fundo Monetário Internacional. Há perspectiva de privatizações e abertura para investimentos de capitais estrangeiros especialmente na indústria. A principal proposta do governo é a instalação de uma cruzada moralizadora, o saneamento moral tanto reivindicado pelos que o elegeu.
O alvo principal é a administração pública acusada de corrupta, ineficiente e cara para o contribuinte. As divergências de caráter político e ideológico, um conservador e outro apoiado pelas esquerdas, só pode dar no que deu. Há um afastamento entre eles. É verdade que não foi o titular que escolheu o vice, uma vez que a constituição estabelece que são dois votos separados.
Assim é possível votar para presidente em Jânio Quadros e para vice em João Goulart. O quadro só pode evoluir para o pior: o presidente manda o vice para a China, tenta um golpe de estado, sem sucesso, e os militares entram em cena para impedir a posse de Goulart.
Daí para frente deu no que deu: o golpe civil-militar de 64.
(*) – É editor chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma (www.herodoto.com.br).