Ulisses Ruiz de Gamboa (*)
Em 1990, 70% das famílias vivia em condições de pobreza. Atualmente essa cifra caiu para somente 8,6% do total.
Havendo vivido durante 17 anos no Chile, me causou bastante estranheza, assim como em grande parte de sua população, a força e a violência dos protestos ocorridos durante os últimos dias, que motivaram o Presidente Sebastián Piñera a decretar estado de emergência, com toque de recolher não somente na capital, Santiago, como em outras cidades importantes.
O país andino é, sem sombra de dúvida, o mais desenvolvido da América Latina, com uma renda por habitante de quase US$ 26.000, quando se corrige pela flutuação do câmbio e pelo custo de vida, bastante superior à registrada para o Brasil e para o restante do continente. Seu êxito econômico se deve ao conjunto de reformas estruturais, de cunho liberal, realizadas durante a ditadura militar, que implementou um modelo de crescimento baseado no setor exportador.
De fato, o Chile ocupa o 13º lugar, entre 162 países, do Índice de Liberdade Econômica divulgado pelo Fraser Institute, recebendo a mesma nota da Dinamarca. A pontuação do país é disparada a melhor da América Latina e muito à frente de países vizinhos como o Uruguai (70º lugar), Brasil (120º lugar) e Argentina (146º lugar). Esse resultado sinaliza que neste país existe ambiente propício para que o setor privado possa empreender, criar empregos e gerar inovações, sem que a presença do Estado apareça como entrave importante à livre iniciativa.
Suas perspectivas de crescimento econômico para este ano e para o próximo são igualmente superiores, alcançando a 2,5%, e 3,0%, respectivamente. O desemprego permanece baixo, apesar da grande onda de imigrantes que o País recebeu nos últimos anos, e que foram responsáveis pela redução dos salários, e a inflação está quase zerada. Com relação à pobreza e à desigualdade social, os números também são eloquentes.
Em 1990, 70% das famílias vivia em condições de pobreza, enquanto atualmente essa cifra caiu para somente 8,6% do total. Segundo o coeficiente de Gini, o grau de desigualdade da distribuição da renda também se reduziu durante igual período, de 0,57 para 0,46. Ou seja, a desigualdade, ao contrário do que tem sido afirmado, continua diminuindo para uma população que, ademais, apresente 96% de taxa de alfabetização.
Essa redução da desigualdade também foi uma decorrência da implementação do mesmo modelo econômico liberal, que foi pioneiro na focalização do gasto social, permitindo que os frutos do crescimento pudessem aliviar a situação de pobreza e de falta de inclusão social para aqueles realmente necessitados.
Evidentemente, ainda persiste elevado nível de desigualdade, muito superior à registrada nos demais países da OCDE, grupo ao qual o Chile também faz parte, porém em grau muito menor aos demais países latino-americanos e aos emergentes em geral. O que dizer do Brasil, em que milhões de pessoas ganham o equivalente a R$ 413 por mês!
É certo que nos últimos cinco anos seu PIB apresentou crescimento pífio, fruto de uma reforma tributária realizada durante o governo de Michelle Bachelet, que praticamente destruiu a microempresa, contribuindo para frustrar as expectativas de grande parte da população, ao “jogar” no desemprego e na informalidade mão de obra qualificada.
A sensação de aperto financeiro decorrente tem sido acirrada pelos níveis baixos das aposentadorias e pelas elevações das tarifas elétricas, da água e do metrô, sendo esta última o “estopim” da crise. Porém, em perspectiva, o reajuste da tarifa de metrô, cancelado posteriormente por Piñera, alcançaria a apenas 4%, e as demais elevações de tarifas foram inferiores aos aumentos do salário mínimo.
O governo atual enviou anteriormente projetos para o Congresso, com o objetivo de reverter essa malfadada reforma tributária e promover um reajuste imediato nas pensões, porém, em ambos casos, a maioria de centro-esquerda rejeitou as duas iniciativas.
Em síntese, a situação econômica do Chile não justifica tamanho descontentamento de uma população que, apesar de enfrentar o problema de baixa mobilidade social, fruto entre outros fatores de uma colonização espanhola excludente em relação à população aborígene, apresenta qualidade de vida muito superior aos demais países da região.
Os incêndios sequencias da metade das estações de metrô da cidade de Santiago e de pontos centrais de abastecimento de supermercados, inclusive utilizando elementos para acelerar o processo de combustão, parecem indicar que houve planejando em grande parte das ações, capaz de capitalizar o descontentamento popular, e aproveitar-se das manifestações inicialmente pacíficas, para instaurar o caos.
Esperamos que Sebastián Piñera seja capaz de restabelecer a ordem pública e a paz no Chile, vencendo esse “inimigo sem rosto”, cujo objetivo é desestabilizar não somente seu governo, como também as instituições em geral. Nesse mesmo contexto, também que não se caia na tentação populista de oferecer soluções “fáceis”, tais como, por exemplo, congelamentos de preços e tarifas, propostos por alguns, que iriam contra a liberdade econômica e, portanto, contra a própria recuperação da capacidade de crescimento da renda das famílias chilenas.
(*) – É pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, doutor em Economia e pós-doutor em História Econômica.