Alerta de perigo ambiental
A carta de Pero Vaz de Caminha ao rei Manoel I de Portugal oferece pistas seguras de como o meio ambiente seria tratado durante os séculos seguintes nas terras recém descobertas por Pedro Álvares Cabral
Foto: Ag. Senado
Dante Accioly/Ag. Senado/Especial Cidadania
Caminha descreve a Ilha de Vera Cruz como uma área repleta de “papagaios vermelhos, grandes e formosos” e “muito cheia de grandes arvoredos” — paisagem que começou a ser degradada ainda nos primeiros dias de ocupação. Aves nativas foram trocadas “por coisinhas de pouco valor”, enquanto os portugueses, com “ferramentas de ferro” a tiracolo, andavam “nessa mata a cortar lenha”. Não por acaso, a missiva com a “nova do achamento” partiu de Porto Seguro para Lisboa em uma nau atulhada de pássaros e toras de madeira tupiniquins.
Mais de 500 anos depois, o país depara com as consequências ambientais dos sucessivos ciclos econômicos. A exploração de pau-brasil e outras madeiras; a mineração do ouro; o cultivo de cana-de-açúcar e soja; e a criação de gado deixaram para trás um cenário de terra arrasada: espécies extintas, rios contaminados, biomas semidestruídos. Nas últimas três décadas, a sociedade brasileira — muitas vezes constrangida pela comunidade internacional — tentou reverter esse passivo. A Constituição de 1988, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605, de 1998), a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e o Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651, de 2012) contribuíram para reduzir em 72% a taxa de desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2018.
Localizada por satélite, exploração ilegal de madeira na terra Indígena Pirititi, em Roraima, é confirmada em sobrevoo pelo Ibama. Foto: Felipe Werneck/Ibama
Mas o esforço recente pode estar em risco. No dia 6 de junho, especialistas e parlamentares ocuparam o Plenário do Senado em uma sessão especial para celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Em quase todos os discursos, uma preocupação recorrente: a política ambiental brasileira dá sinais claros de colapso, com desdobramentos imediatos e potencialmente desastrosos. O mais recente deles foi divulgado em abril pelo Global Forest Watch, um aplicativo em tempo real que monitora florestas ao redor do mundo. O relatório indica que o Brasil foi o país que mais perdeu árvores em 2018: 1,3 milhão de hectares de florestas primárias devastadas — mais de duas vezes a área do Distrito Federal.
Os primeiros indícios de crise na política ambiental surgiram ainda em 2013. Naquele ano, a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 28,8% em relação ao período anterior. Mas, segundo ambientalistas, foram as medidas anunciadas pelo Poder Executivo a partir de janeiro deste ano que evidenciaram o que chamam de “desmonte do setor”. Entre essas ações, os especialistas destacam a possibilidade de revisão de unidades de conservação; a redução de multas por desmatamento aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); a substituição de técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por policiais militares; e a intenção apregoada pelo governo federal de destinar parte do Fundo Amazônia para pagar indenizações a proprietários rurais.
— Não temos muito a comemorar. Nos últimos dias, não vimos nenhuma ação mais direta em relação à proteção da biodiversidade, da Amazônia ou dos rios responsáveis por irrigar as nossas lavouras. Lá atrás, quando houve a possibilidade de não termos mais o Ministério do Meio Ambiente, já foi um sinal do que a gente poderia ter pela frente em relação à questão ambiental — lamentou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que presidiu a sessão especial.
O presidente Jair Bolsonaro recuou do propósito inicial de erradicar da Esplanada a pasta do Meio Ambiente. Mas nos primeiros dias de mandato adotou duas medidas, que, segundo os ambientalistas, apontam para uma inequívoca ruptura de modelo. No que seria uma sinalização para o público interno, extinguiu a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas. Em um gesto para o exterior, anunciou que o país não mais sediaria a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP25. Considerado o maior evento voltado a enfrentar o aquecimento global, o encontro foi transferido para o Chile.
O secretário-geral do Observatório do Clima, Carlos Rittl, criticou a decisão do Brasil. Para ele, o país “vive tempos de obscurantismo e negacionismo”.
— Algumas das mais altas autoridades do governo federal desmontam deliberadamente um legado de 30 anos de governança ambiental, construído com imensa contribuição do Parlamento brasileiro. Ao fazerem isso, não apenas rompem os laços de solidariedade com a comunidade internacional. Muito pior: expõem a população e a economia brasileira a riscos bastante tangíveis. Mudanças climáticas são reais e causam impactos: o país sofreu prejuízos de R$ 278 bilhões em função de eventos climáticos extremos nos últimos dez anos — lembrou Rittl.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, esteve na sessão especial do Senado. Em um discurso de 16 minutos, rebateu as críticas de ambientalistas. Disse que o governo federal “não nega a existência de mudanças climáticas” e que “manteve inalteradas todas as políticas assumidas, inclusive por gestões anteriores” — embora “a forma de fazer” seja “muitas vezes diferente”.
Ricardo Salles negou que tenha a “intenção de extinguir unidades de conservação”. Mas admitiu que o Poder Executivo pretende fazer “uma análise dos processos de criação” de cada área, inclusive com a possibilidade de “alteração de perímetro” ou “mudanças de categoria”. Antes de abandonar o Plenário sob a vaia de ambientalistas e o protesto de parlamentares, Salles classificou como “absolutamente inverídica” a acusação de ter provocado o sucateamento de órgãos como Ibama e ICMBio.
— O desmonte foi herdado de gestões anteriores. Quem recebeu a fragilidade orçamentária fui eu. Quem recebeu um deficit gigantesco de funcionários fui eu. Quem recebeu frotas sucateadas e prédios abandonados fui eu. Portanto, se houve desmonte, desmonte houve antes. Agora há uma tentativa de, através de uma boa gestão e investimentos mais eficientes, reverter esse quadro para que possa cumprir o seu papel — afirmou o ministro.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) classificou a participação de Ricardo Salles na sessão especial como “uma indignidade misturada com covardia”.
— Nunca a verdade foi tão violentada neste Plenário como no dia de hoje. Nunca vi tanto ato de covardia nesta tribuna como no dia de hoje. O ministro teria feito melhor se nem aqui tivesse comparecido. Para vomitar mentiras e sair fugidio, covardemente, era melhor não ter vindo — reclamou.