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Se encontrar um líder, mate-o

em Colunistas, Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 13 de junho de 2019

Se encontrar um líder, mate-o

Heródoto Barbeiro (*)

Esse título foi inspirado em uma frase de um monge : Se encontrar um Buda no meio do caminho, mate-o.

Claro que é uma alegoria, ou seja se uma pessoa disser que é um iluminado, certamente não é. Um iluminado não se identifica, é identificado por outras pessoas. Mais ou menos o que disse o Vinicius, no Canto de Ossanha “O Homem que diz sou, não é; o homem que diz vai, não vai…” O mundo corporativo, público ou privado, está em busca de líderes que tenham todas as qualidades para gerir a empresa, e acima de tudo dar resultado para os acionistas.

Tem que ter todas as qualidades ou skills que todo departamento de RH sabe de cor e salteado. Os candidatos também, tanto que preparam os currículos dentro dos padrões aconselhados por uma verdadeira biblioteca exposta nos book shops dos aeroportos de todo o mundo. Eu sou um líder diz o candidato na sua apresentação. Ai dele se encontrasse o monge…

Na sociedade só é possível um líder. Mais de um vai criar divisão interna, pontos de vista diferentes e pode levar a comunidade ao caos. Por isso o líder mais velho não pode de forma alguma admitir a existência de um concorrente. Nem que seja preciso mata-lo. Por isso a abelha rainha vigia o tempo todo se uma nova rainha não está para nascer. Todas as operárias podem se tornar rainhas, basta que sejam alimentadas com uma boa quantidade de alimento rico em vitamina E, como a geleia real, que é produzida pela operária e não pela rainha como se imagina.

Assim ao despontar uma nova rainha a velha não perde tempo, usa o seu ferrão, que mais parece um sabre, e mata a futura rival. Não tem para ninguém. Quando um criador de abelhas precisa trocar uma velha rainha por uma nova, ele tira a primeira e aguarda alguns dias antes de depositar a nova. Se fizer isso imediatamente, as operárias se agrupam e matam a nova líder da colmeia. É necessário que a comunidade sinta a falta de uma liderança para aceitar uma estrangeira ainda que jovem. Nesse período, dizem os apicultores, ouve-se um choro das operárias na colmeia.

De volta ao mundo corporativo. Demitir um líder que tem o controle da máquina e do time e imediatamente substituí-lo por outro recém contratado é um risco. Os liderados, ainda que queiram manter os empregos, vão estranhar. É inevitável uma comparação do novo com o velho líder. Na maioria das vezes o que saiu é melhor do que o que chegou. Críticas disfarçadas são trocadas entre os liderados e os erros do novo líder são amplificados.

Não seria o caso da empresa imitar as abelhas e deixar um espaço entre a saída do velho líder e a introdução do recente? Os líderes não querem perder os cargos, remunerações extras, regalias e acima de tudo a obediência de todo o seu time. É cioso disso tudo e até confunde sua própria existência neste planeta com a posição que ocupa. Muitos não são capazes de viver sem o cargo, por isso, ao serem trocados, entram em profunda depressão e buscam o apoio de renomados coaches ou head hunters.

Por isso o líder encastelado no poder vive todo o tempo possível vigiando os liderados para tentar identificar se entre eles existe algum que possa ocupar a sua função. O manual de gestão reza que todo líder deve treinar alguém para substituí-lo. Será que isso acontece na maioria das corporações ou lança-se mão do exemplo da velha abelha rainha?

(*) – É editor chefe e âncora do Jornal da Record em multi plataforma.