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O vira casaca

em Colunistas, Heródoto Barbeiro
quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O vira casaca

Um dia ele seria julgado pela história. A avaliação  de um político não é feita apenas sobre o que ele fala sobre sí mesmo. Mas isto não o atormentava.

O que era importante era estar sempre ao lado dos mais fortes e ricos. Sua origem humilde era um cartão de apresentação que usava sempre que participava dos encontros nas salas do poder. Exibia sua capacidade de deixar os humildes e se misturar alegremente com os favorecidos pela sorte, pela herança dos antepassados ou simplesmente pelos favores que a família recebeu do Estado em algum momento.

Tinha sempre pronto um discurso que falava de conciliação, de paz, de bem estar para todos. Mas era um palavrório vazio e muitas vezes completamente contraditório do que negociava nos corredores e salas dos poderosos do momento. Vivia para servir e ser servido pelos que estavam abaixo de sua condição social. A maior parte do tempo estava no exterior, sempre nas melhores acomodações e participando de jantares e festas reservadas para poucos.

Não restava dúvida, era um homem de sucesso, ainda que as más línguas insistiam em detrata-lo. Era pura inveja certamente. Receber algum dinheiro dos adversários, na opinião dele, era um pecado menor. Afinal todos eram corruptos e ninguém até então tinha sido condenado por isso. Era considerado normal e poucos tinham coragem de classificar isso de corrupção. Aparentemente ela não prejudicava ninguém uma vez que o dinheiro era obtido nos cofres públicos e os pagadores de impostos não tinham acesso às contas e aos gastos do governo de plantão.

Já estava embutido nos produtos e serviços comprados pelo governo, e por isso era considerado normal. Os ricos industriais e banqueiros negociavam essas quantias sob o pretexto que estavam ajudando a implantar a governabilidade, a estabilidade que tanto alegavam para concluir os seus negócios a longo prazo e garantir os seus ganhos. Portanto nada mais útil para todos do que fazer uma aliança corruptor-corrupto em nome dessa estabilidade.

O sistema econômico passava por grande transformação e em nome do crescimento, da proteção do mercado interno, da balança comercial favorável tudo deveria ser feito. O enriquecimento de alguns foi transformado em um objetivo nacional a ser alcançado a qualquer custo, mesmo que para muitos isso significasse o desemprego e milhares de vidas desperdiçadas.

Em quatro momentos diferentes ocupou o posto de ministro e chegou mesmo a governar o país. Ninguém se importava que ele fosse originário do clero e que tivesse participado da assembleia que redigiu a constituição revolucionária. Primeiro apoiou os privilégios da Igreja, depois foi favorável a nacionalização de seus bens e conseguiu uma reforma que permitiu a reorganização total da instituição para que funcionasse a serviço do Estado.

Essas mudanças foram pequenas se comparadas com o fato de ter apoiado a revolução, a ditadura, a volta do absolutismo e o liberalismo. Acusado, ainda em vida, de ser cínico e imoral, rebatia com o argumento que não servia a regimes políticos, mas sim ao seu país. Na imprensa era tratado por uns como um canalha e por outros como um estadista, afinal tinha conseguido vitórias importantes diante das grandes potências que dominavam o mundo. O que mais poderiam querer dele?

Diante dessas vitórias tudo o mais que se falava era poeira e o tempo se encarregaria de soprar para bem longe. Até as metrópoles lhe deviam favores, uma vez que articulou um movimento para impedir que suas colônias se separassem e se tornassem páises independente. Tinha um nome comprido e vistoso, mas todos o chamavam de Talleyrand.

Se outros políticos seguiram ou não os seus exemplos, a história se encarregou de listar.

(*) – É editor chefe e âncora do Jornal da Record News em multiplataforma.