Barbara das Neves (*)
A Constituição Federal procura assegurar uma sociedade livre, justa e solidária a todos os cidadãos.
Os tributos foram criados justamente para proporcionar a fonte de recursos necessária para o financiamento deste Estado democrático de direito. Porém, deve-se reconhecer o fato de que o Brasil passa por uma profunda crise de legitimidade das atividades vinculadas ao Poder Público.
Enquanto para o Estado a exigência de tributos, e toda burocracia dela decorrente, é justa e compatível com a complexidade do sistema, para os contribuintes a tributação possui um sentimento de injustiça e confiscatoriedade, em virtude de uma sintomática precariedade na gestão das finanças públicas. Isso porque se convencionou utilizar o aumento da arrecadação e da complexidade do sistema como soluções injustificadas às crises financeiras e institucionais, sem a devida análise da repercussão econômica destas medidas nos bolsos dos contribuintes.
Afinal de contas, tais práticas contam com um grande aliado para sua concretização: o desconhecimento público acerca da real carga tributária e dos custos dela decorrentes que não se resumem à figura dos tributos, como nos casos dos deveres instrumentais (declarações, documentos fiscais), multas e juros. Recentes pesquisas do IBPT indicam que o Brasil edita cerca de 800 normas por dia, sendo 5,4 milhões desde a promulgação da Constituição de 1988.
Do total, foram editadas 363.779 normas tributárias, o que representa mais de 1,88 normas tributárias por hora em um dia útil. O Brasil, segundo estudo do TMF Group, seria o segundo colocado no ranking dos países com maior complexidade financeira de 2017 no mundo. Dados relevantes como estes demonstram que se trata de atividade humanamente impossível a de identificar todas as possíveis alterações legislativas nos níveis municipal, estadual e federal, muitas vezes inteligíveis até mesmo pelos profissionais da área.
Não são raras as vezes que o equívoco do contribuinte resulta na aplicação de severas sanções e atualizações, cujos montantes financeiros são incompatíveis com os supostos equívocos. Os juros, por exemplo, podem significar o pagamento de montantes muito superiores aos valores dos próprios tributos. Atualmente, utiliza-se como parâmetro de proporcionalidade a taxa Selic para a atualização de débitos de tributos administrados pela Receita, estimada em 6,5% ao ano.
A própria legitimidade da Selic, formada pela correção monetária e juros de mora, já foi questionada nos tribunais em razão de sua oscilação manter relação direta com o mercado financeiro e as decisões do Banco Central. No entanto, os tribunais manifestaram-se a favor da taxa em razão da existência de previsão legal e da limitação da aplicação do percentual de 1% ao mês previsto pelo Código Tributário Nacional. De todo modo, dada as diferentes competências em nível municipal, estadual e federal, a situação se agrava quando se adotam taxas distintas pelos demais entes federados.
Cite-se, como exemplo, o estado de São Paulo que até o ano de 2017 aplicava a taxa de juros de mora para débitos tributários estaduais no importe de 0,13% ao dia. Obviamente, a previsão dos juros paulistas (ao redor de 47% ao ano) fez surgir inúmeras discussões judiciais no Poder Judiciário de São Paulo, em razão dos percentuais serem totalmente desproporcionais e irrazoáveis.
O questionamento, enfim, chegou ao STF, o qual se manifestou no sentido de que o legislador estadual não poderia impor o pagamento de taxas de juros que extrapolam exponencialmente a própria Selic. Afinal de contas, os juros não possuem a função de punir o contribuinte. As discussões levaram a alteração da legislação paulista para a aplicação, a partir de 2017, da Selic, bem como a redução de multas igualmente desproporcionais.
Obviamente, a limitação é aplicável para todos os demais entes que possuem juros superiores aos estabelecidos pela legislação federal. Ademais, mesmo após a redução das taxas aplicadas, cabem discussões acerca dos juros calculados em razão de parcelamentos especiais e execuções fiscais ainda vigentes com base nas taxas majoradas.
Infelizmente, tais inconsistências do sistema são totalmente incompatíveis com os objetivos constitucionais. Criou-se um sistema complexo, com diferentes competências, que demanda um número infindável de normas para serem compreendidas e cumpridas pelos contribuintes, mas que, felizmente, não passam despercebidas ao controle do sistema constitucional tributário.
(*) – É professora do MBA em Planejamento, Gestão e Contabilidade Tributária (TAX) da Universidade Positivo (UP).