Ascensão e queda de José Bonifácio, o ‘Patriarca da Independência’
Neste ano completa 180 anos que morreu José Bonifácio de Andrada e Silva, um dos personagens mais decisivos da história brasileira
Bonifácio é retratado ao lado de Pedro I durante expulsão de oficiais rebelados portugueses. Pintura de Oscar Pereira da Silva, 1921. |
Ricardo Westin/Jornal do Senado
Conselheiro de Pedro I, foi ele quem deu o empurrão necessário para que o inexperiente príncipe regente de 23 anos afrontasse Portugal e declarasse o Brasil independente. Como reconhecimento, o governo acaba de conceder-lhe o título de Patrono da Independência. A lei se origina de um projeto que o Senado aprovou em dezembro. O título se soma ao célebre epíteto que já o consagrara em vida: Patriarca da Independência.
O Arquivo do Senado guarda documentos que mostram uma carreira brilhante, porém breve. Bonifácio chegou rápido ao entorno da coroa e foi derrubado com igual velocidade. Sua ascendência sobre os dois imperadores do Brasil despertou ciúmes e inimigos. Entre tornar-se ministro de Pedro I e ser banido do Brasil, passaram-se apenas dois anos. De volta ao país, foi nomeado tutor do menino Pedro II, mas dois anos depois já estava fora do palácio.
Em 1822, às vésperas da Independência, Bonifácio assumiu o Ministério dos Negócios do Reino e Estrangeiros, onde criou a Marinha, para o caso de haver uma reação portuguesa ao grito do Ipiranga, e negociou com o mundo o reconhecimento da nova nação. Também providenciou a reforma da Cadeia Velha para abrigar a Assembleia Geral, que se reuniu em 1823 para elaborar as primeiras leis do Brasil independente, incluindo a Constituição. Ele próprio se elegeu deputado.
Um dos projetos mais discutidos na Assembleia foi o da pena de morte para quem se insurgisse contra a Independência. Segundo papéis do Arquivo do Senado, Bonifácio foi enfático na defesa da proposta e cobrou rigor contra quem agisse para submeter o Brasil de novo ao jugo português: “A lei de represália é justa e tão antiga como o mundo. Se este projeto se fundasse em princípios despóticos, eu o rejeitaria sem hesitar”. Bonifácio nunca dobrou o joelho ao despotismo.
Ousado, apresentou dois projetos que contrariaram a elite brasileira. Um previa a extinção da escravidão negra e a adoção do trabalho livre. O outro incentivava a incorporação dos índios à sociedade, inclusive com a miscigenação. Bonifácio vivera 30 anos na Europa e se incomodava com o atraso do Brasil. Visionário, ele defendeu a reforma agrária, a preservação de rios e florestas, a abertura de universidades e a transferência da capital para o centro do país.
Da tribuna, Bonifácio argumentou que a primeira Constituição do Brasil, em gestação na Assembleia, deveria preservar a Monarquia. A República seria um erro, pois provocaria uma disputa tão selvagem pelo poder que o Império acabaria pulverizado em vários países, cada um governado por um caudilho. “Há 14 anos que se dilaceram os povos da América espanhola, os quais saíram de um governo monárquico para estabelecer uma liberdade sem limites e, depois de terem nadado em sangue, não são mais do que vítimas da desordem, da pobreza e da miséria. Enfim, senhores, confiemos nos princípios constitucionais do imperador”.
Bonifácio errou ao confiar em Pedro I. O imperador detestou o projeto de Constituição que a Assembleia elaborou. Ele esperava ganhar muito mais poderes do que o previsto na proposta. Em novembro de 1823, em resposta, o monarca fechou a Assembleia e expulsou Bonifácio do país.
Envenenado pela intriga dos desafetos de Bonifácio, Pedro I já vinha se estranhando com o antigo mentor. Quando a Assembleia foi dissolvida, fazia meses que Bonifácio havia sido demitido do ministério.
O Patriarca da Independência se exilou na França. Anistiado, voltou para o Brasil em 1829. Ele tentou ficar longe da política, mas não conseguiu. Em 1831, Pedro I, arrependido de ter traído Bonifácio, convidou-o para ser o tutor de Pedro II, que só tinha 5 anos de idade. O imperador abdicava para voltar a Portugal, e a Regência governaria até Pedro II ter idade para subir ao trono. Passando por cima da mágoa, Bonifácio aceitou o convite do agora ex-imperador.
O tutor precisava ser aprovado pelo Senado e pela Câmara, onde tinham assento muitos de seus velhos adversários, os mesmos que o haviam derrubado em 1823. Eles fizeram de tudo para barrar a nomeação. “Não devemos, com medo, dobrar a cabeça a essa iniciativa do ex-imperador”, protestou o deputado Evaristo da Veiga (MG). Para o deputado Cunha Mattos (GO), o futuro monarca não precisava de tutor nenhum: “Três regentes, seis ministros e os representantes da nação [deputados e senadores] estarão com a vista atenta sobre a sua augusta pessoa”.
Bonifácio venceu as resistências e, em agosto de 1831, prestou juramento no Senado, prometendo dedicar-se d
Temendo que se repetisse com Pedro II a influência que Bonifácio tivera sobre Pedro I, os inimigos políticos logo iniciaram uma campanha para derrubá-lo. O estopim, em abril de 1832, foi uma tentativa de invasão do Palácio Imperial, na Quinta da Boa Vista, para sequestrar Pedro II. O ministro da Justiça, padre Diogo Feijó, acusou Bonifácio de conivência e pediu à Câmara e ao Senado sua destituição. “A existência do tutor é perigosa à segurança do monarca”, atacou o senador José Inácio Borges (PE).e corpo e alma à formação intelectual do futuro monarca. Seu trabalho consistia, basicamente, em selecionar os professores e acompanhar o desempenho educacional de Pedro II. É provável que a conhecida paixão do imperador pela ciência tenha sido plantada pelo tutor, que construíra uma notória carreira científica na Europa na virada do século.
“Entre o governo e o tutor há profunda inimizade”, disse o senador José de Alencar (CE), pai do romancista de mesmo nome. “Para o sossego da pátria, uma das partes precisa se retirar. A Regência não pode. Deve, pois, sair o tutor”. Chegou-se a citar a idade como razão para a destituição. Bonifácio tinha 69 anos, um ancião para a época. “De uma idade em que as faculdades de homem rápida e progressivamente enfraquecem, nós não podemos esperar a vigilância, a atividade e a energia que demanda a preciosa missão de cuidar do augusto pupilo”, afirmou o senador Marquês de Caravelas (BA).
No final de 1833, sem consultar a Assembleia, a Regência baixou um decreto derrubando o Patriarca da Independência. “Custou, mas demos com o colosso em terra”, comemorou, numa carta, o novo ministro da Justiça, Aureliano Coutinho. Desiludido, Bonifácio retirou-se de vida pública e viveu recluso na Ilha de Paquetá até morrer, em 6 de abril de 1838. O Arquivo do Senado guarda inúmeras homenagens a Bonifácio, como a feita pelo senador Danton Jobim (MDB-Guanabara) num discurso em 1972: “Ele desenhou com precisão e minúcia o roteiro do desenvolvimento nacional, levantando ou equacionando com clarividência problemas que agora tentamos resolver. Mais que político, José Bonifácio foi um homem de Estado”.
Trabalho científico de José Bonifácio
Estátua de José Bonifácio no Bryant Park, em Nova York.
Antes de tornar-se o Patriarca da Independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva já era famoso na Europa. Não como político, mas como cientista. Por volta de 1800, após embrenhar-se em minas da Suécia e da Noruega, Bonifácio apresentou à comunidade científica nada menos do que 12 novos minerais. Pouco depois, um colega se aprofundaria nas descobertas e identificaria num daqueles minerais o lítio – elemento químico que hoje é matéria-prima de drogas psiquiátricas, propelentes de foguetes e baterias de celulares. A andradita, mineral descoberto em 1868, foi assim batizada para homenagear o brasileiro
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