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O Rio, o turismo e o carnaval

em Artigos
terça-feira, 22 de maio de 2018

Julio Gavinho (*)

O eminente professor, mestre e doutor gaúcho Voltaire Schilling me ensinou que o “Carnavale” é a festa popular e profana mais antiga da humanidade.

A parada existe há cerca de 1.000 anos antes de Cristo (para horror dos criacionistas) e o Rio da época era a antiga Grécia. Na falta de Momo, o rei do bloco era Dionísio que depois foi rebatizado em Roma como Baco. Este você conhece, como bom cachaceiro tupiniquim que deve ser…
Uma curiosidade é que a festa da carne nestes saudosos dias era feminina pois eram as raparigas que idolatravam o Dionísio. Era um momento de calma e reflexão, aonde as moçoilas escapavam dos maridos e caiam na folia com os primeiros Ricardões da fuzarca.

Tive a oportunidade de conhecer o professor Schilling em Curitiba, nos tempos de faculdade de jornalismo. Ficou na minha mente a parte discreta da palestra dele em que afirma que até as escaramuças de fronteira eram suspensas durante a festa. Ninguém era atingido por bala perdida, nenhum policial assassinado e nenhuma carga roubada. Interessantes estes Gregos.

O Carnaval deste ano deve ter gerado uns R$ 6 bilhões, e movimentado 11 milhões de foliões. Note que 85% deste caraminguá todo foi para alimentação. Apenas R$706 milhões foram para meios de hospedagem, ou seja menos de 12%. Estes dados são da CNC (Confederação Nacional do Comércio), publicados pela revista Exame no seu portal, dia 9 de fevereiro.

Desta numerologia toda, também podemos extrair que a Riotur (não necessariamente a fonte mais confiável da imprensa) declarou receber 1,5 milhões de turistas no Rio durante o Carnaval, ficando com R$ 1,9 bilhões do butim momesco. A proposição é a mesma: R$ 228 milhões para a hotelaria em todo o Estado. Isto tudo, tin-tin por tin-tin, acabou com uma receita 10,5% menor do que 2017. No cenário nacional vale destacar o Ceará, que cresceu 9% em relação ao evento do ano passado sem ser assim, o berço do samba.

Para concluir, a Exame chamou a minha atenção com um dado cívico, travestido de estatístico: 1.649 municípios não contribuirão financeiramente com o carnaval pois existem outras prioridades (50%); porque não tem caixa destinado ao carnaval (45,4%) ou porque tem outras demandas da sociedade (7,9%).

Outras prioridades? Não tem caixa? Existem outras demandas da sociedade? Sério, prefeito? O que pode ser mais importante que o carnaval? Febre amarela, saneamento ou fila de exames? Polícias com estatísticas de guerra? Professores ganhando pouco mais de um salário?

Escrevo estas linhas em dias pós intervenção na segurança do Rio. A reunião deliberativa entre os poderes da República e o governador Pé Esquerdo aconteceu logo após o carnaval, e ocorreu em meio à escalada de violência registrada no Rio de Janeiro. Houve arrastões, assaltos nos blocos, pessoas foram roubadas a caminho da Sapucaí, saque a supermercado, entre outros crimes, da Zona Sul até a Zona Norte da capital.

Além disso, três PMs foram mortos durante o carnaval. Fantasias de coveiro e de Gordon Gekko se alternaram entre as mais vendidas nos submundos dos “entre-desfiles” Cariocas. Comunidades sitiadas, polícia de folga, prefeito comendo piparkakku em Helsinki e o governador Pé Esquerdo no seu retiro em Piraí. Resultado disso? para horror dos puristas, nunca São Paulo teve um carnaval tao popular e cheio de blocos nas ruas. Cervejas artesanais, food trucks e e a paulistada bonita sambando assim, vá… bem até, para quem precisa trabalhar o ano todo.

O Rio perdeu o bonde do turismo e não irá se recuperar nos próximos muitos anos. Veja, a beleza masculina ou feminina pode ser uma maldição para quem não tem conteúdo. A beleza natural não significa nada em face da sujeira, da violência explícita, da desgraça da estrutura e dos preços exorbitantes.

Enquanto isso, turistas nacionais trocam a Guanabara pela Bahia, ficam em casa sambando em Belo Horizonte e em São Paulo. O samba pode até ser meio quadrado mas daqui, a gente sai vivo para curtir, quem sabe, o próximo carnaval.

(*) – É executivo da área de hotelaria com 30 anos de experiência, fundador da doispontozero Hotéis, criador da marca ZiiHotel, sócio e Diretor da MTD Hospitality.