Neste momento em que se fala tanto em empreendedorismo e em que vivemos num ambiente de mudanças tecnológicas constantes, é oportuno lembrar um pioneiro que viveu em tempos semelhantes e que, embora a palavra empreendedorismo ainda não existisse, aproveitou tecnologia que surgia para revolucionar a mídia e a vida cotidiana das pessoas.
Vivaldo José Breternitz (*)
David Sarnoff nasceu na Rússia em 1891, tendo sua família logo imigrado para os Estados Unidos. Órfão de pai começou a trabalhar muito cedo, como jornaleiro, para ajudar a sustentar sua família. Aos 15 anos aprendeu o código Morse, o que o ajudou a ser contratado como contínuo pela Marconi Wireless Telegraph Co., talvez a maior empresa de telecomunicações da época.
Foi promovido a telegrafista em 1908 – os telegrafistas eram profissionais de elite, mas que se tornaram obsoletos pelo avanço tecnológico: equipamentos de rádio seguidos por telex e outras tecnologias praticamente eliminaram sua necessidade.
Como acontece às vezes, Sarnoff estava no local certo e na hora certa: na noite de 14 de abril de 1912 estava de plantão e recebeu uma mensagem que se tornou famosa: “SS Titanic ran into iceberg, sinking fast” (SS Titanic bateu em iceberg, afundando rápido). Sarnoff permaneceu em seu posto pelas próximas 72 horas, transmitindo para o mundo as mensagens que chegavam dos navios de socorro.
As habilidades e a capacidade de empreender de Sarnoff fizeram-no subir rapidamente: em 1915 ele sugeriu à Marconi a criação dos antecessores dos atuais aparelhos domésticos de rádio – à época, rádio era assunto principalmente para militares, marinheiros e amadores entusiasmados. Sua ideia foi considerada inviável do ponto de vista comercial – consta que executivos da empresa teriam dito: “a caixa de música sem fio não tem nenhum valor comercial. Quem pagaria para ouvir uma mensagem enviada a ninguém em particular?”.
Mas, ele teve outra oportunidade. Em 1919, a General Electric comprou a Marconi e formou a RCA (Radio Corporation of América) e Sarnoff foi à luta: para criar uma massa crítica de ouvintes dispostos a comprar seus rádios, era necessário criar estações comerciais, que veiculassem música, notícias e esporte; em 1921, ele conseguiu transmitir a luta Jack Dempsey versus Georges Carpentier, pelo título mundial de boxe – os rádios da RCA fizeram sucesso: 300.000 pessoas ouviram a transmissão e em três anos mais de um milhão de aparelhos foram vendidos com o nome comercial de “Radiola”.
Mas era preciso mais: em 1926, já como um dos principais executivos da RCA, formou a NBC (National Broadcasting Co.), uma subsidiaria que criaria a primeira grande rede de emissoras comerciais, gerando ainda mais compradores para os aparelhos.
Outra amostra de sua genialidade: os gramofones estavam sendo substituídos, desde 1906, por equipamentos com alto-falantes internos, fabricados pela Victor Talking Machine Co. e comercializados sob a marca “Victrola”. Sarnoff promoveu a fusão das empresas, fazendo surgir a RCA-Victor, e das tecnologias, juntando o rádio e o toca-discos num só móvel e criando os antepassados dos atuais aparelhos de áudio. Ficou famoso o logo da companhia, mostrando um cachorrinho ouvindo a voz de seu dono vinda de um gramofone – “A Voz do Dono” (His Master’s Voice”) tornou-se popular também no Brasil.
O sucesso das medidas de Sarnoff levou os investidores à loucura: as ações de RCA chegaram a valer US$ 573,75 cada, até que em 1929 o “crash” da bolsa de New York levou seu preço a US$ 2,25.
Mas o crash não desanimou Sarnoff, que se tornou presidente da RCA em 1930, incentivando pesquisas acerca de televisão, tecnologia que ele já propusera em 1923. Em 1939, quando da inauguração da Feira Mundial de New York, a abertura do “stand” da RCA foi televisionada – era uma nova era que se iniciava, com Sarnoff dizendo que a tecnologia ali mostrada era provisória, que cores, gravação em vídeo etc., chegariam em breve.
A 2a. Guerra Mundial, da qual Sarnoff participou atuando na área de comunicações, chegando a general do exército americano, só permitiu que começassem a ser vendidos aparelhos domésticos de TV em 1946; em 1951, a NBC começou a transmitir programas em rede nacional.
Enquanto Sarnoff era extraordinário quanto ao entendimento e aplicação da tecnologia, seu grande rival, William Payle, da CBS (Columbia Broadcasting System) era imbatível no que hoje chamamos “conteúdo”; Sarnoff focava na tecnologia, Pailey na programação – e na medida em que tecnologia se tornava uma “commodity”, algo que se pode obter pagando e não investindo em criação, a maior habilidade da CBS em atrair e reter talentos levou-a à vitória no longo prazo: em 1986, cinco anos após a morte de Sarnoff, a General Electric assumiu o controle do grupo RCA, que àquela altura já havia perdido boa parte de seu brilho e que depois praticamente desapareceu.
A CBS e a NBC ainda são grandes empresas, mas essa já é outra história; o importante é lembrar que talento e dedicação são fundamentais e que a tecnologia, sozinha, não tem grande utilidade.
(*) Vivaldo José Breternitz, Doutor em Ciências pela USP, é professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie.