Com o início da 2ª Guerra Mundial em 1939, os Estados Unidos perceberam que cedo ou tarde se envolveriam no conflito.
Vivaldo José Breternitz (*)
Esse envolvimento exigiria que lutassem na Europa e no Extremo Oriente, necessitando transportar grandes volumes de suprimentos através do Atlântico e do Pacífico, áreas em que os submarinos alemães, italianos e japoneses estariam muito ativos.
No início de 1941, os Estados Unidos possuíam 1.422 navios mercantes, 92% com mais de 20 anos e com velocidade inferior a 11 nós (cerca de 20 km/hora), o que os tornava alvos muito fáceis para os submarinos – além disso, esse número de navios era insuficiente para atender à estratégia dos americanos.
O tempo era curto, e eles desenvolveram uma tecnologia revolucionária para construir rapidamente os navios de que necessitavam: adaptaram um projeto inglês, definiram métodos que previam padronização e simplificação radicais para acelerar a construção e puseram mãos à obra, denominando esse tipo de navio Liberty Ship.
O primeiro a ser lançado foi o Patrick Henry, entregue em 30/12/1941; devido às necessidades impostas pela guerra, os esforços americanos eram cada vez mais intensificados, levando a uma sistemática quebra de recordes de velocidade de construção: o Robert E. Peary teve sua quilha batida (colocação da primeira peça no local de onde o navio será lançado ao mar) às zero horas do dia 08/11/1942, sendo lançado ao mar no dia 12; o acabamento e os testes consumiram mais 3 dias e meio e no dia 15, pouco mais de 8 dias após o batimento da quilha, o Robert E. Peary deixou o estaleiro rumo ao porto onde seria carregado para sua primeira viagem – um recorde que provavelmente ainda vai demorar para ser quebrado.
No total, 2.710 unidades foram construídas, sendo esse o tipo de navio construído em maior número em toda a história. Os Liberty carregavam em seus cinco porões 10.865 toneladas de carga, capacidade equivalente a 300 vagões ferroviários, ou 2.840 jipes, ou 440 carros blindados leves, ou 230 milhões de cartuchos de fuzil, mas não raramente seus tripulantes encontravam espaços para carga adicional. Apenas a título de comparação, o Emma Maersk, um dos maiores cargueiros hoje em operação, lançado em 2006, tem capacidade para cerca de 55 mil toneladas de carga.
Apesar de serem navios construídos para fins emergenciais, os Liberty incorporaram várias inovações em seu projeto, tais como radares, ecobatímetros, rádios e equipamentos de navegação eficientes. Além disso tinham um grau de conforto muito elevado para a tripulação em relação aos navios da época, como chuveiros, bons camarotes e abrigos para o pessoal em serviço; requeria 46 marinheiros (o Emma Maersk precisa de 13) e cerca de 40 artilheiros para manejar suas armas antiaéreas e antinavio. Além disso, sua operação era muito simples, exigindo pouco treinamento de seu pessoal.
A construção naval evoluiu muito dos anos 1940 para a atualidade, o que fica claro se fizermos mais algumas comparações entre os Liberty e o Emma Maersk – comprimento: 135 e 397 metros; velocidade: 11 e 25,5 nós, potência: 2.500 e 110.000 hp e comprimento, 134 e 397 metros.
Os Liberty foram as mulas de carga da 2ª Guerra Mundial; dos 2.710 navios construídos 240 foram perdidos por afundamento, encalhe, incêndio ou acidente. Os remanescentes foram vendidos ou cedidos a armadores ao redor do mundo, sendo que três deles serviram sob bandeira brasileira, dos quais o último a ser desativado foi o Kalu, em 1973.
Alguns Liberty foram preservados como navios-museu. A imagem que ilustra esse artigo é a capa de um livro que conta a história dos Liberty Ships e mostra o Jeremiah O’Brien, mantido em San Francisco.
(*) Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor da FATEC SP, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas – [email protected].