Diogo Prosdocimi (*)
A mobilidade urbana é a espinha dorsal de uma cidade que se pretende viva e funcional. É impossível falar em qualidade de vida sem considerar como as pessoas se movem e acessam as oportunidades disponíveis no espaço (como emprego, saúde e educação).
No entanto, enquanto nos encantamos com a promessa das cidades inteligentes, dos carros autônomos e da tecnologia que revoluciona o transporte, ainda tropeçamos em problemas muito mais básicos, mas que permanecem sem solução.
O descontentamento das pessoas é evidente. Há mais de 40 anos, em toda campanha política, a mobilidade aparece no centro dos debates, seja em cidades pequenas ou em grandes metrópoles. Até mesmo em países com fama de ter um transporte exemplar, como Alemanha e Japão, a percepção do usuário não é livre de críticas.
Cidades icônicas, como Nova York e Londres, com seus sistemas complexos, ainda enfrentam o descontentamento de quem depende dos seus transportes. Indago-me constantemente sobre o porquê. A resposta parece ir muito além de questões meramente de engenharia de transportes. Percebo um abismo entre o que os indicadores técnicos mostram e o que a população sente.
Tudo, desde a forma como fazemos compras, até como pedimos uma refeição, foi transformado para se adequar ao ritmo e às preferências dos usuários. Podemos pedir um almoço e recebê-lo em minutos, acompanhar uma entrega em tempo real e personalizar nossa experiência em cada etapa.
Em minha infância, pedir comida significava pizza. E a mudança veio aos poucos.
Primeiro veio o calzone, depois comida chinesa e, de repente, tínhamos tudo em aplicativos. Hoje, podemos comer qualquer coisa em casa com poucos toques no celular. Mas o transporte público permanece preso a estruturas rígidas, horários inflexíveis e um distanciamento do usuário. É como se o transporte ainda não tivesse absorvido essa revolução da customização e do foco na experiência do usuário.
No Brasil, a mobilidade é um reflexo de deficiências maiores: de infraestrutura, de planejamento e, especialmente, de governança. Nas capitais, as pessoas perdem, em média, 21 dias do ano no trânsito, segundo a Pesquisa Mobilidade Urbana, realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com o Sebrae.
Em Belo Horizonte, por exemplo, a situação não é menos crítica: motoristas já enfrentam congestionamentos tão intensos quanto os de São Paulo, a maior cidade da América Latina. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), em pesquisa divulgada este ano (08/2024), os motoristas de BH gastam, em média, 57 minutos para percorrer dez quilômetros em condições de tráfego intenso – apenas um minuto a menos do que Recife, a cidade mais congestionada do país.
Com esse cenário, a queda de 38% no número de passageiros de ônibus em BH, nos últimos dez anos, parece menos uma escolha e mais uma consequência. Os dados deixam claro que o nosso foco não pode ser apenas em inovações distantes, mas em suprir o que é básico e fundamental primeiro.
Terminais que não dialogam com o entorno, operações que ignoram o cotidiano de quem depende delas, sistemas que não evoluem, planejamentos de saúde, educação e emprego e renda desassociados de como as pessoas vão acessá-los. Tudo isso nos mantém presos ao passado.
Ainda assim, há boas iniciativas por aí.
Em Minas, por exemplo, a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais – Codemge tem investido na modelagem de projetos que reorganizam a prestação de serviços de mobilidade, a fim de dialogar melhor com as cidades (principalmente, as oportunidades que elas oferecem) e suas pessoas. Como, por exemplo, a modernização de terminais e expansão da infraestrutura de transporte.
É um passo na direção certa, mas o caminho é longo. Se nosso sonho é construir cidades mais eficientes, devemos começar pelo essencial. Porque, antes de qualquer coisa, uma cidade é feita de pessoas. A tecnologia é um meio e não uma panaceia, e, para isso, é preciso dar atenção ao que sustenta o dia a dia de quem vive ali: acessibilidade à saúde, educação e emprego.
Sem uma base sólida, qualquer avanço fica sem sentido. Não adianta construir castelos no ar se os alicerces estão frágeis.
(*) – É Diretor de Concessões e Parcerias da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge).