Nestes tempos em que se fala muito de cibersegurança, vale a pena lembrar um ataque hacker acontecido em 1834 na França, bem antes de existirem computadores e celulares.
Vivaldo José Breternitz (*)
Em 1794, o governo francês criou um sistema de comunicação chamado telégrafo ótico ou semafórico. Nada tinha a ver com o telégrafo convencional, inventado bem mais tarde – parecia-se com o sistema de comunicação entre navios que era usado na época, em que bandeirolas eram usadas para compor mensagens.
O sistema era composto por duas grandes hastes instaladas no topo de torres parecidas com moinhos de vento; cada posição das hastes significava uma letra; as hastes mudavam de posição movidas por cordas e roldanas
Munido de telescópio, o operador da torre seguinte copiava a mensagem que chegava e a retransmitia para a próxima torre – era um sistema bastante eficiente e cobria as principais cidades do país.
Em 1834, o sistema foi hackeado pelos gêmeos François e Joseph Blanc. Os irmãos operavam na bolsa de valores de Bordéus e caso soubessem qual era o comportamento da bolsa de Paris, a mais importante da França, poderiam levar vantagem nas compras e vendas de ações em Bordéus.
O telégrafo ótico seria a forma ideal para obter essas informações, porém seu uso era restrito ao governo. Mas os irmãos estudaram o sistema e descobriram que ele tinha uma espécie de tecla “backspace”, que servia para “apagar” a informação anteriormente transmitida caso houvesse erro.
De posse dessa informação, os irmãos subornaram um dos operadores do sistema para incluir determinados “erros” conforme a bolsa de Paris subisse ou descesse.
Um cúmplice dos irmãos, munido de um telescópio, captava essas informações, que eram usadas para otimizar os resultados dos negócios dos Blanc, que durante dois anos ganharam fortunas, ganhando a reputação de gênios das operações em bolsa.
Mas um dia o esquema ruiu: o cúmplice adoeceu e pediu a um amigo que o substituísse por alguns dias; esse amigo simplesmente denunciou o esquema às autoridades.
Os irmãos foram presos em 1836, mas logo depois foram soltos. Por que? Porque não havia nada que proibisse o “hackeamento” da rede semafórica; logo em seguida foi criada uma lei que punia severamente esses ataques.
Mas os gêmeos, sob a liderança de François prosseguiram com negócios pouco convencionais, especialmente cassinos, tendo participado ativamente na criação do cassino de Monte Carlo, em Mônaco.
Com a jogatina também ganharam muito dinheiro, tendo sido os responsáveis pela introdução do modelo atual de roleta em 1843 – dizem que François teria feito um pacto com o diabo para ter sucesso nesse negócio, o que explicaria o fato de as roletas terem números de 0 a 36, que se somados dão 666, “o número da besta”.
Como diz o Eclesiastes (1:9): “nihil novi sub sole”, ou “não há nada de novo sob o sol…
(*) Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas – [email protected].