Na atualidade, a aviação é um campo no qual são aplicados extensivamente ciência e tecnologia. Nela, são adotados também processos e normas extremamente rigorosos, sempre buscando aumentar a segurança e a eficiência.
Vivaldo José Breternitz (*)
Mas nem sempre foi assim: houve época em que a aviação era um reduto de malucos apaixonados pela aventura e pela tecnologia da época. Essa é uma verdade, assim como é verdade que sem esses malucos, ainda estaríamos presos ao solo.
O americano Clyde Pangborn era um desses malucos: servira como instrutor de voo na 1ª Guerra Mundial e acabou criando uma pequena fábrica de aviões que quebrou quando a crise de 1929 levou a economia dos Estados Unidos à Grande Depressão.
O também americano Hugh Herndon Jr. era um playboy amigo de Pangborn e sob o comando deste, em 1931, resolveu participar da tentativa de quebrar o record de velocidade na volta ao mundo, que pertencia ao dirigível alemão Graf Zeppelin – em função de atrasos, decidiram abandonar a tentativa quando se aproximavam do Japão, pilotando um avião Bellanca Skyrocket, batizado “Miss Veedol”.
Por terem feito nesse voo filmes e fotografias que mostravam instalações militares japonesas, foram detidos naquele país; depois de interrogados, foram libertados e informados de que deveriam deixar o Japão e não retornar; se decolassem e voltassem seriam presos e condenados.
Nesse momento, resolveram unir o útil ao agradável: tentariam ganhar o prêmio de US$ 25 mil (hoje cerca de US$ 500 mil) que um jornal japonês prometera a quem fizesse o primeiro voo sem escalas daquele país aos Estados Unidos.
Em 4 de outubro de 1931, o Miss Veedol decolou de Misawa, cidade ao norte de Tóquio, rumo a Seattle, situada a 5.500 milhas de distância – seria um voo 2 mil milhas mais longo que o de Charles Lindbergh, que fora o primeiro a cruzar o Atlântico voando dos Estados Unidos à França em 1927.
O pequeno avião, com apenas um motor fora modificado para carregar 930 galões de combustível. Mas havia um problema: se os ventos fossem adversos ou houvesse qualquer contratempo, o combustível não seria suficiente, e pousar no mar naquela época era morte certa. Os pilotos fizeram cálculos e concluíram que se o avião não tivesse trem de aterrisagem, a melhor aerodinâmica lhes daria uma velocidade adicional de 15 milhas por hora e mais 600 milhas de autonomia – em 1931 não existiam trens de aterrisagem retráteis.
Mas isso não era problema para Pangborn e Hemdon: desenvolveram uma gambiarra que permitiria que, logo depois da decolagem, o trem de aterrisagem fosse ejetado – ao chegarem aos Estados Unidos, pousariam de barriga.
Decolaram e acionaram a gambiarra, que funcionou pela metade: as rodas caíram, mas a estrutura do trem não, o que tornava a aterrisagem uma tragédia certa. Mas isso era um problema simples para Pangborn: voando a 14 mil pés sobre o mar, tirou os sapatos, apanhou algumas ferramentas, saiu do avião e, trabalhando em cima das estruturas de cada asa, soltou o restante do trem de pouso, que caiu ao mar.
O voo ocorreu sem novidades, e depois de 40 horas o Miss Veedol passou a sobrevoar o território americano. Pangborn resolveu mudar o destino: ao invés de ir a Seattle, voou mais uma hora e foi a Wenatchee, no estado de Washington, onde passara a infância e onde ainda vivia sua mãe. Ali, pousou de barriga, tendo o avião sofrido apenas pequenos danos.
Voos sem escala entre o Japão e os Estados Unidos voltaram a acontecer apenas depois da 2ª Guerra Mundial. Pangborn morreu em 1958, após ter voado mais de 24 mil horas como piloto do correio aéreo, de testes e da força aérea britânica durante a 2º Guerra. Herndon foi piloto da força aérea canadense durante a Guerra; posteriormente trabalhou na em empresas de transporte aéreo, tendo falecido em 1952.
(*) É Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas.