Lucas Simão (*), Renan Machado e Rodrigo Giostri (**)
A Justiça do Trabalho possuía, no ano de 2021 (último período disponibilizado pelo TST) mais de 6,0 milhões de processos pendentes para julgamento. A cada ano, cerca de 3,0 milhões de ações adentram a etapa de liquidação e conciliação.
Com esse volume, há um enorme desafio, para as partes envolvidas nos processos trabalhistas apurarem e informarem adequadamente os valores a serem recolhidos, bem como para a União validar as verbas relacionadas ao IR, a Previdência ratificar os valores de INSS e FGTS e demais tributos porventura cabíveis.
Na tentativa de trazer mais transparência a esse processo, houve a publicação de nova regulamentação para o lançamento de informações, pelas empresas públicas e privadas, no e-Social.
De fato, a virada de ano de 2022 para 2023 trouxe essa nova obrigação relevante: a partir de janeiro, as empresas deveriam passar a inserir no sistema também informações acerca dos processos trabalhistas de que fossem parte principal ou subsidiária, quando houvesse o trânsito em julgado ou acordo.
A justificativa apresentada pelo Governo Federal para a nova regra é a de que, quando a nova sistemática estivesse totalmente implementada, o recolhimento das contribuições previdenciárias, do FGTS e até mesmo do Imposto de Renda decorrentes dos processos judiciais seria feito de forma centralizada, diretamente pela plataforma do e-Social e não mais por várias guias avulsas, como se dá atualmente.
Diz-se “deveriam”, porque tal obrigação já foi duas vezes adiada, primeiro para abril, e agora por um prazo adicional ainda em definição. E esses adiamentos se deram exatamente em virtude da complexidade dessa nova obrigação que foi imposta às empresas, uma vez que o cumprimento no preenchimento dos novos dados exige uma estratégia complementar de dados entre o RH e os Jurídicos corporativos.
Um mapeamento inicial indica que para corresponder à nova regra, cerca de 35 campos de informações serão complementados no e-Social. A proporção de responsabilidade pela natureza dos dados é de cerca de 30% para o RH e 70% para os departamentos jurídicos e seus escritórios de advocacia.
Quando o novo sistema efetivamente entrar em vigor, sempre que houver condenação trabalhista transitada em julgado ou acordo judicial (ou até mesmo extrajudicial, em câmaras de conciliação ou órgãos sindicais), as empresas deverão inserir no sistema do e-social dados como: tipo de contrato de trabalho fruto da condenação, competência temporal da condenação, valor total da condenação com discriminação detalhada das verbas, data de homologação dos cálculos dentre outras dezenas de dados.
Além disso, para que isso ocorra, será necessário que as empresas alimentem uma plataforma extremamente detalhada e complexa e nem sempre de fácil manuseio, com desafios tecnológicos importantes para uma massa de dados equivalente a cerca de 3,0 milhões de processos por ano.
Como se vê, a lista de complexidades é extensa – e se aplica até mesmo para as ações em que a empresa é devedora apenas secundária (isto é, subsidiária ou solidária, como nas hipóteses de terceirização ou grupo econômico) -, sendo que o descumprimento dessa nova obrigação está sujeito a multas, que podem alcançar valores bastante expressivos em determinadas situações.
Apesar da convergência do interesse por maior transparência e compliance entre empresas e poder público, a mudança tem sido implementada sem clareza sobre o formato de integração das informações corporativas com o e-Social e sobre os objetivos complementares da iniciativa, como, por exemplo, mapeamento de condenações recorrentes pelo Ministério Público do Trabalho.
O acumulado de incertezas tem pressionado o governo a postergar indefinidamente a entrada em vigor da nova norma. Independentemente do andor da burocracia, a preparação das empresas para as novas exigências pode ter efeito positivo na gestão dos passivos judiciais trabalhistas.
Os dados estruturados e higienizados podem iluminar causas-raízes recorrentes na organização para as disputas judicializadas e trazer mais assertividade no provisionamento contábil e de orçamento para endereçar o contencioso trabalhista com eficiência e resultado financeiro, garantindo o cumprimento adequado das responsabilidades sociais e de governança da organização.
(*) – É CEO da Legal tech Pact; (**) – São sócios do escritório de advocacia Sfera Law (https://br.linkedin.com/company/sfera-law).