Alessandro Saade (*)
Estamos todos acompanhando perplexos os desdobramentos das Lojas Americanas, que começou com uma “inconsistência nos lançamentos contábeis da ordem de 20 bilhões de reais” e já passa de 100 bilhões.
Claro que isso impacta na bolsa de valores, nos grandes varejistas, no segmento bancário, no segmento de seguros e no mercado em geral. Já temos impacto nas Lojas Renner, Tok & Stock, Marisa.
Com certeza, você comprou ovo de páscoa em algum momento da sua vida nas Americanas. O preço era sempre matador. Ou talvez, criando uma neologia, “suicidador”.
Prazos de pagamento extremamente alongados, pressionando os seus fornecedores de todos os tamanhos era uma prática comum da empresa. Isso pode ter contribuído para esse “não lançamento” de obrigações.
Mas quero apenas pegar o gancho do momento atual para trazer uma visão ao longo do tempo.
O famoso Carnê do Baú da Felicidade, iniciativa do brilhante Silvio Santos para cobrar antecipado e parcelado, injetando recursos em suas empresas era algo único. As pessoas compravam os carnês e aguardavam, todo domingo, o sorteio dos números contemplados, que poderiam resgatar seus eletrodomésticos, móveis, eletrônicos e demais produtos para a sua casa. E com sorteio toda semana, era preciso manter o pagamento em dia. Outra sacada genial para evitar a inadimplência.
Era década de 1960, com elevada inflação e a pouca oferta de crédito para bens de consumo faziam do carnê uma das poucas, ou a única forma de acesso a esses bens para as classes C e D. O carisma do Silvio Santos, seu garoto-propaganda, e uma enorme capilarização na oferta, fez com que crescesse rapidamente e acabou criando uma simbiose : O carnê fazia a TV crescer e a TV aumentava as vendas do Carnê do Baú. Credibilidade e prestação de contas dominicais, fizeram do produto uma mina de ouro.
Além da TV, verdadeiras blitzes aconteciam pelos bairros, onde se estacionava as kombis do Baú e de dentro delas saia um exército de vendedores, abordando cada residência, demonstrando o produto que vendia sonhos a longo prazo. Pagava-se a prestação mensalmente e todo domingo sonhava-se com o sorteio, que daria direito ao usufruto do bem. Semanas, meses, anos e décadas se passaram com o mesmo frisson e expectativas todos os domingos. E no final do carnê ainda podiam resgatar o valor pago em produtos!
Com a estabilização da economia as Casas Bahia acabaram com o carnê do Baú. Trouxeram a mesma mecânica, de um carnê com pagamento mensal, mas sem precisar esperar. Faz o carnê e já leva o produto no começo, sem precisar esperar. Foi catastrófico para o Baú. Matou o negócio, mesmo tendo tentado redesenhar o modelo.
Bem, o tempo passou, a moeda estabilizou, novas marcas e produtos apareceram e o dinheiro ficou mais barato e acessível. A somatória desses e de outros fatores começaram a ruir a base de sustentação do modelo de negócio do grupo Silvio Santos.
Nesse mesmo período, a habilidade de negociar com seus fornecedores, a agressividade na abertura de novas lojas e a continuidade massificada de anúncios fez com que as Casas Bahia ocupassem o mesmo espaço do baú, só que entregando o bem junto com a primeira parcela. Se por um lado elimina o prazer da expectativa e da torcida, por outro permite-se o usufruto imediato do bem tão desejado.
E as Casas Bahia ainda incorporaram outras tendências mercadológicas ao modelo. Patrocínio de eventos para diversas idades e perfis de públicos, além do desenvolvimento de ambientes temáticos como a Super Casas Bahia, que permite o acesso às tendências e a experiência de consumo completa, incentivaram mais o consumo imediato.
O mesmo aconteceu nos Estados Unidos, com a rede varejista de eletroeletrônicos Radio Shack. Referência no segmento, perdeu relevância e praticamente desapareceu. Agora busca se reinventar.
Ação diferente da Best Buy rede do mesmo segmento. Perceberam uma queda no volume de vendas, mesmo com as lojas cada vez mais cheias. Entenderam que as pessoas experimentavam e escolhiam os produtos nas suas lojas e voltavam para casa para comprar pela internet pelo menor preço.
Passaram a cobrar dos fabricantes de produtos pelo espaço da loja, criando espaços exclusivos de experiência entre os clientes e as marcas, aumentando sua receita e garantindo o acesso às lojas como forma de gerar vendas complementares. E claro, passaram a vender online.
Fato irreversível é que essa geração é a geração da experimentação, da vivência e do test drive. Querem experimentar, tocar, ouvir, ligar, mexer, montar…. Tudo isso antes mesmo de comprar.
Economia, tecnologia, cultura, hábitos de consumo, valores pessoais… Tudo isso compõe o mosaico que influencia o mercado de consumo. Definitivamente, não é para amadores. Às vezes nem para especialistas.
Fique atento.
(*) É Fundador dos Empreendedores Compulsivos, é também executivo, autor, professor, palestrante e mentor. Possui mais de 30 anos de experiência atuando com grandes empresas e startups brasileiras, tornando-se referência no universo do empreendedorismo no Brasil. Formado em Administração pela UVV-ES, com MBA em Marketing pela ESPM e mestrado em Comunicação e Mercados pela Cásper Líbero, especializou-se em Empreendedorismo pela Babson College e em Inovação por Berkeley. Atualmente é Superintendente Executivo do ESPRO, instituição sem fins lucrativos que há 40 anos oferece aos jovens brasileiros a formação para inserção no Mundo do Trabalho.